Foi recentemente anunciado um aumento significativo das reservas de lítio em Boticas, estimadas em 39 milhões de toneladas. O potencial apontado coloca Portugal no radar da transição energética europeia.
Do ponto de vista económico, os números são apelativos, mais de 400 milhões de euros de investimento até 2028, centenas de empregos e maior receita fiscal numa região marcada pelo despovoamento. Para o Governo, o projeto surge como catalisador de desenvolvimento regional e reforço da autonomia europeia na cadeia de valor das baterias. Contudo, por trás deste entusiasmo inicial, levantam-se questões estruturais que não podem ser ignoradas.
O primeiro desafio está nos contratos de concessão. O modelo continua a seguir a lógica extrativista em que empresas privadas exploram, o Estado arrecada royalties e impostos, mas a maior parte da cadeia de valor fica fora de Portugal, enquanto os custos ambientais ficam cá. A par disso, subsiste uma lacuna crítica de informação. Não há estudos independentes sobre volumes, ritmo de extração e impactos cumulativos. Sem essa informação, corremos o risco de uma corrida ao recurso para satisfazer investidores, sem assegurar benefício nacional a longo prazo.
É precisamente neste ponto que a dimensão ambiental ganha relevo. A exploração mineira ameaça os ecossistemas, compromete os recursos hídricos e altera as paisagens e os solos que sustentam as comunidades locais. Longe de serem externalidades, tratam-se de custos com impacto na saúde, na qualidade de vida, na coesão social e na sustentabilidade do território.
No contexto da transição energética, o lítio tem de facto um papel crucial na descarbonização. Mas a transformação necessária não se esgota na extração deste recurso, exige repensar o modelo de mobilidade, apostar em transporte coletivo eficiente e, de forma complementar, reduzir a dependência do transporte individual através da adoção de padrões de consumo mais sustentáveis. Sem essa mudança estrutural, estaremos apenas a substituir uma dependência por outra, sem alterar a lógica de fundo.
Boticas simboliza, assim, um dilema mais amplo para o país, optar por um crescimento rápido, mas frágil, ou por um progresso sustentado que concilie economia, sociedade e ambiente. Sem contratos justos, planeamento transparente, compensações ambientais robustas e participação comunitária, o lítio arrisca transformar-se numa fatura pesada, em Boticas e em todas as regiões onde a exploração se perspetiva.