O Governo anunciou um novo pacote de medidas para aumentar a oferta de casas, criando o conceito de “renda moderada”, fixada até 2.300 euros, que prevê reduções fiscais para senhorios e famílias, incluindo IRS mais baixo e IVA reduzido na construção de casas novas que sejam vendidas a preços até 648 mil euros.
A definição do valor de 2.300 euros como “renda moderada” gerou grande polémica, levando os portugueses a questionar como é que uma renda desse valor é moderada num país em que o salário mínimo é de 870 euros e o salário médio 1.741 euros.
Proprietários e inquilinos consideraram a medida “desajustada da realidade” e incapaz de responder à crise da habitação. O Governo insiste que lançou uma “política de choque” com “rendas moderadas” até 2.300 euros, mas rejeita que seja “apoio aos ricos”, com o primeiro-ministro a contrapor: estas medidas visam a classe média e dar “igualdade de oportunidade” aos que vivem nas zonas de maior pressão, como Lisboa ou Porto – onde o preço da habitação é mais elevado e se sente mais a falta de médicos, professores, polícias e outros profissionais necessários para manter as urgências abertas ou criar mais vagas para creches e pré-escolar.
Muitos vaticinam que a medida vai inflacionar os preços do mercado de arrendamento, pois todos os proprietários que coloquem uma casa a arrendar até 2.300 euros vão beneficiar de um corte da taxa de IRS de 25% para 10%. Na verdade, esta beneficia todos os alojamentos que têm rendas no mercado inferiores a 2.300 euros, não se vislumbrando, à priori, que fixar aquele teto máximo levará a que rendas de 1.500 passem para 2.300 euros.
O problema é outro. A medida pode revelar-se ineficaz e é altamente injusta. Ineficaz, porque não é o incentivo fiscal que vai baixar as rendas das casas. Pelo contrário, em cinco anos, o preço do arrendamento disparou em praticamente todas as regiões do país, com algumas zonas a registarem subidas superiores a 70%, superando o crescimento dos salários e dificultando ainda mais o acesso à habitação. Ou seja, os proprietários já tiveram todos os incentivos para colocar casas no mercado e não se viram resultados na resolução da crise da habitação.
O problema da falta de oferta de casas a preços acessíveis, deve-se a uma baixa construção e reabilitação nas últimas décadas. As mexidas nos licenciamentos vão, por isso, no sentido certo. Mas também aqui há uma questão incontornável: se muitos municípios já têm dificuldades em cumprir os prazos atuais, como irão responder a prazos ainda mais curtos? O desafio é particularmente exigente.
O critério do “valor de charneira” até 2.300 euros para os novos benefícios no arrendamento revela-se também altamente injusto, pois quem tem mais do que uma casa, com a evolução do preço das rendas, tornou-se milionário e está-se agora a reduzir impostos para estes investidores que só vão pagar uma taxa de 10% de IRS, enquanto os rendimentos dos trabalhadores são tributados a taxas superiores a 20%
Luís Montenegro fala de um País das Maravilhas que não existe, onde predominam salários de 3.000 euros na classe média e rendas moderadas de 2.300 euros – valor cerca de três vezes superior às rendas medianas. Para os portugueses, este é o país real: rendas que não conseguem pagar, proprietários que enriqueceram nos últimos anos com a escalada das rendas e incentivos fiscais que não resolveram a falta de oferta de casas. E o que veem? Um coelho tirado de uma cartola improvável.