O acidente do Elevador da Glória não foi apenas uma tragédia que deixou vítimas, famílias e países em choque. Foi também um momento decisivo para testar a maturidade da nossa gestão pública e a qualidade das decisões em situação de crise.

Lisboa ficou marcada por um episódio impensável, que não pode ser relativizado: vidas perdidas, dezenas de feridos, comunidades inteiras afetadas. É fundamental reconhecer o sofrimento das vítimas e das suas famílias — esse é o primeiro dever de uma cidade que se quer humana. Mas o segundo dever é agir com responsabilidade, com método e com visão de futuro. E é aqui que a resposta da Câmara Municipal de Lisboa falhou.

As famílias denunciam que não foram contactadas; a seguradora admite não ter conseguido chegar a todas as vítimas quase um mês depois. Quando o essencial seria apoio rápido, proximidade e clareza, o que se sentiu foi ausência, burocracia e silêncio. Essa falha não é apenas técnica: é política.

Mas mais grave foi a decisão seguinte: desligar elevadores e funiculares em Lisboa e noutras cidades do país. Estavam todos em risco? Não havia relatórios técnicos a garantir a segurança em cada caso? Ou tratou-se apenas de uma reação automática, de um gesto simbólico para mostrar “ação”?

As escadas da Nazaré, do Bom Jesus, de Santa Luzia não são alternativa em termos de mobilidade nem de segurança. A medida generalizada não protegeu os cidadãos — pelo contrário, prejudicou-os.

Carlos Moedas não é um político qualquer: é engenheiro de formação, com experiência europeia e internacional. Conhece, ou deveria conhecer, metodologias básicas de resolução de problemas como o PDCA, os 5 Whys ou o diagrama de Ishikawa. Todas apontam para o mesmo caminho: identificar causas, analisar dados, agir com base em evidências.

Suspender todos os funiculares sem diagnóstico técnico não é método: é reflexo. É a política a sobrepor-se à engenharia. Num momento em que se exigia liderança com racionalidade, Moedas escolheu o atalho da aparência.

A teoria do pensamento de grupo (groupthink) descreve bem este fenómeno: sob pressão, um grupo de decisores evita o debate racional e adere a uma decisão unânime, ainda que irracional, para preservar coesão e evitar críticas. Foi isso que vimos: em vésperas de eleições autárquicas, preferiu-se o risco zero político ao rigor da análise técnica.

A unanimidade repentina em “desligar tudo” pode ter servido para estancar manchetes, mas não resolve nada. Não aumenta a segurança, não apoia as vítimas, não prepara. Acidentes acontecem. O que distingue sociedades maduras é a forma como respondem:

  • Apoio imediato às vítimas e famílias.
  • Diagnóstico técnico das causas.
  • Correção dos processos de manutenção e fiscalização.
  • Comunicação clara e transparente com os cidadãos.

Nenhuma destas dimensões é substituída por medidas cosméticas. Desligar a cidade não é gerir uma crise — é apenas escondê-la por baixo do tapete.

O Elevador da Glória tornou-se símbolo de duas coisas: da fragilidade da vida e da fragilidade da nossa gestão pública. A primeira merece luto e respeito. A segunda exige crítica e mudança.

Carlos Moedas tinha a obrigação de dar o exemplo de liderança racional e sustentada, mas preferiu a decisão rápida e politicamente confortável. Essa escolha tem de ser escrutinada. Porque o verdadeiro respeito pelas vítimas não está apenas nas homenagens: está em impedir que outras tragédias se repitam.

Decidir em crise não é desligar interruptores. É assumir responsabilidades, usar método e ter coragem de ir à raiz dos problemas. Lisboa e Portugal não merecem menos do que isso.