Pouco se tem falado do agroterrorismo, mas o risco efetivo de uma utilização deliberada de agentes biológicos para atacar a agricultura e a produção de alimentos, representa uma ameaça crescente e muitas vezes subestimada à segurança económica e alimentar global.
Longe de ser um conceito de ficção, consiste em ataques direcionados à produção de alimentos através da introdução ou alteração seletiva de agentes patogénicos perigosos, com o objetivo de causar pânico, perdas económicas e desestabilizar nações. A sua relevância atual é amplificada pela globalização, que facilita a disseminação de pragas e doenças, e pelos avanços em biotecnologia e inteligência artificial (IA), que, embora benéficos, podem ser desviados para fins maliciosos, com consequências diretas nos mercados e nas cadeias de valor.
O atual clima de guerra e as crescentes tensões globais funcionam como um multiplicador de ameaças para o agroterrorismo, tornando a segurança agrícola uma componente essencial da segurança nacional e internacional.
As ameaças no âmbito do agroterrorismo são multifacetadas e com elevado potencial de disrupção económica. A mais direta é a introdução deliberada de patógenos e pragas, como fungos, vírus ou insetos, para destruir colheitas essenciais e desestabilizar a cadeia alimentar.
Um exemplo alarmante ocorreu em julho de 2024, quando dois cientistas chineses foram acusados nos EUA de contrabandear o fungo Fusarium graminearum – um patógeno capaz de devastar colheitas de trigo, cevada e milho, classificado como uma potencial arma de agroterrorismo – evidenciando a vulnerabilidade a ataques biológicos direcionados. Outra vertente preocupante é a manipulação genética mal-intencionada.
Com a democratização das tecnologias existe o potencial risco de os agentes patogénicos poderem ser modificados para se tornarem mais resistentes, agressivos ou difíceis de detetar. Este risco é agravado pelo contrabando de materiais biológicos através de fronteiras, que, mesmo sem intenção terrorista formal, cria brechas graves nos protocolos de biossegurança. Finalmente, a disrupção deliberada de cadeias de abastecimento através da introdução de uma praga pode ter efeitos geopolíticos e económicos devastadores, afetando exportações, preços e a estabilidade dos mercados globais.
A Europa enfrenta desafios significativos na sua defesa contra o agroterrorismo. Um dos principais obstáculos é a dificuldade na deteção precoce e monitorização de patógenos antes que se espalhem, agravada pela falta de redes de vigilância totalmente integradas entre os países. A globalização e a intensa mobilidade de produtos agrícolas facilitam a propagação de agentes biológicos, exigindo uma coordenação internacional rigorosa que nem sempre existe.
O projeto PLANTFOODSEC (Plant and Food Security), financiado pela UE, e desenvolvido entre 2011 e 2016, concluiu que a capacidade de resposta europeia é modesta e fragmentada. O projeto identificou mais de 500 pragas que ameaçam a biossegurança das colheitas europeias e desenvolveu um conjunto de ferramentas para detetar estes riscos. A investigação destacou o dilema geral da dupla utilização de tecnologias biológicas, bem como a ameaça do seu uso malicioso para criar problemas de saúde vegetal e segurança alimentar que os métodos de controlo convencionais podem ter grandes dificuldades em gerir.
As fronteiras agrícolas são porosas e o controlo alfandegário carece de recursos técnicos para identificar material biológico perigoso. Acresce o risco de falhas humanas e de cibersegurança em laboratórios, onde dados genéticos podem ser roubados ou alterados. Este cenário cria um dilema entre a necessidade de cooperação científica internacional e o risco de espionagem biotecnológica, onde potenciais colaborações são exploradas para obter acesso indevido a tecnologias sensíveis.
Para combater esta ameaça complexa, é imperativo adotar uma abordagem multifacetada e proativa. As estratégias de mitigação devem focar-se em fortalecer as defesas em várias frentes, em vez de simplesmente reagir a ataques. É crucial fortalecer a vigilância fitossanitária e os laboratórios de biossegurança, investindo em tecnologia de deteção molecular e IA para diagnóstico rápido e preditivo.
A par da tecnologia, é fundamental promover a educação e formação contínua de investigadores e técnicos em boas práticas laboratoriais, regulatórias e de biossegurança. A cooperação internacional deve ser intensificada, com a partilha de dados de risco entre países e organizações como a FAO, a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH), a OMS e a Interpol.
Por fim, é essencial desenvolver e testar planos de resposta rápida a surtos agrícolas, incluindo simulações de ataques e protocolos de contenção claros e eficientes. O agroterrorismo é uma ameaça real que exige uma resposta global coordenada, assente na prevenção, na ciência e na colaboração. Ignorar este perigo silencioso é colocar em risco não só a economia, mas a própria segurança alimentar do planeta. A construção de uma defesa resiliente é, portanto, uma das tarefas mais urgentes da nossa era.



