O devir angolano, através de um novo romance, com novas vozes e personagens que marcariam novas utopias, está fortemente condicionado pelo passado porque o país prefere curar as feridas do passado a encarar um complexo e sério debate sobre a forma de construir um futuro. Torna-se, pois, mais fácil advogar a necessidade de um processo de reconciliação nacional. Mas, não se questiona, por exemplo, qual é o entendimento do povo Kuvale sobre a reconciliação nacional. Partindo da perspectiva segundo a qual a reconciliação nacional é autoexplicativa, justificativa e universal.

Anula-se o Outro, não ocidentalizado, dos processos históricos e políticos e é-lhe retirado o direito à formulação dos problemas nacionais. Por isso, Ruy Duarte de Carvalho, no seu pré-manifesto neo-animista, já evocava que é “Tempo de ouvir o ‘outro’ enquanto o “outro” existe, antes que haja só o outro…”.

A reconciliação nacional recorre à gramática e modus operandi ocidental, humanista e cristão, onde o perdão é a pedra angular da reconciliação. Excluem-se os processos de conciliação africana que passam, necessariamente, por uma pacificação dos espíritos, através de ritos de purificação que visam, essencialmente, reestabelecer a relação entre o homem e o meio envolvente. Nesta perspectiva neo-animista, o homem não está no centro do universo, mas, é parte deste. Por sua vez, na filosofia antropocêntrica moderna, o homem está no centro do universo.

A gramática ocidental estabelece sempre categorias e hierarquias através da linguagem e das taxonomias. Os actores políticos dispõem de legitimidade soberana para decidir sobre o destino colectivo… submetendo os Outros a uma situação de subalternizados, por vezes, reduzindo à condição de objecto. Esta formulação de poder foi sempre questionada e criticada pela intelectualidade africana, como na obra de Mahmood Mamdani, “Citizen and Subject: Contemporary Africa and the Legacy of Late Colonialism”. Segundo Mamdani, a distinção entre sujeito e objecto continua a moldar as relações de poder nas sociedades pós-coloniais.

A reconciliação nacional poderia questionar os pressupostos da representação política, exclusivamente destinada aos partidos políticos. Porque envolver o Outro implica assegurar a sua participação no todo nacional através das suas instituições, para que este outro não seja um objecto da representação. Por exemplo, o poder inglês é constituído através da incorporação de diferentes tradições, como as câmaras dos comuns (povo) e dos lordes (aristocracia) e reis (monarquia).

A reconciliação nacional não conseguirá projectar o futuro de Angola porque quer apelar a uma alteração do comportamento do poder político angolano, quando este poder precisa da história para assegurar a sua legitimidade política presente e projectar-se, sobretudo, como senhor do futuro do país. Por sua vez, outros partidos lutam para substituir o actual poder, pelo que não poderão nunca questionar o seu passado num ambiente de disputa pelo poder. Por isso, o futuro angolano nascerá mais da incapacidade política de resolver as contradições do presente, sobretudo quando o poder não consegue interpretar as linhas do tempo e as transformações da consciência social… como projectar tantos licenciados e oferecer o desemprego como saída futura… é criar contradições presentes que terão impacto no futuro.