O apoio criado para aliviar o peso da renda acabou por se transformar numa dor de cabeça. Entre falhas burocráticas e críticas políticas, mais de 40 mil inquilinos viram-no suspenso sem explicação ou continuam sem receber o Apoio Extraordinário à Renda (PAER), lançado pelo anterior governo de António Costa. O pagamento foi suspenso pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que justifica a demora com “incongruências” detetadas nos processos, deixando milhares de famílias em espera.
Mas muitos afirmam desconhecer as razões da suspensão dos subsídios atribuídos de forma automática aos que cumpram estes critérios. Há ainda inquilinos que estão há dois anos à espera, com casos de pessoas consideradas elegíveis que nunca receberam qualquer montante, num programa que nasceu como um mecanismo de proteção face à crise habitacional, destinado a quem tem rendimentos até ao sexto escalão de IRS, com taxa de esforço igual ou superior a 35%.
A maioria dos casos é justificada com divergências nos dados, como rendimentos, recibos ou registo dos contratos, que levam à suspensão imediata do apoio, sem aviso ou justificação clara nem qualquer explicação. Não há, sequer, certezas sobre o número total de inquilinos nesta situação.
O Executivo nega que haja atrasos, atribuindo o não pagamento a essas eventuais “incongruências”. Ainda que reconheça que o Estado tem falhado na informação, apontando problemas de conceção do PAER, não se livra das críticas de estar a cortar subsídios e de a gestão do IHRU ser ineficaz. O próprio presidente deste instituto já admitiu o cenário “gravíssimo” para desespero de milhares de famílias por todo o país. O IHRU prometeu regularizar os pagamentos em atraso até outubro, mas as falhas persistem.
Perante a falta de resposta, pasme-se, os canais de comunicação com o IHRU estão inacessíveis e só a deslocação direta aos centros de atendimento – existentes apenas em Lisboa e Porto – pode resolver um problema que é nacional e que deita por terra expectativas criadas em torno deste programa. Aponta-se o dedo à falta de interoperabilidade dos sistemas que levam muitos beneficiários a relatarem ter sido encaminhados repetidamente entre serviços diferentes — como a Autoridade Tributária, o IHRU e a Segurança Social — sem conseguirem obter respostas concretas.
A Provedoria da Justiça já alertou que foram muitas vezes desrespeitados direitos fundamentais, como o direito à informação, a notificação das decisões ou a possibilidade de audiência prévia. Na prática, os cidadãos têm enfrentado uma burocracia prolongada e confusa, num regime que tinha sido anunciado como simples, automático e transparente.
O PAER enfrenta hoje críticas severas que colocam em causa a sua eficácia, com falhas que contribuíram para que a aplicação prática do regime ficasse aquém do esperado sem a estabilidade nos pagamentos, o respeito pelos direitos dos beneficiários e articulação entre as várias entidades responsáveis. Com prazos falhados e falta de respostas, acumulam-se denúncias de famílias com rendas por pagar e de beneficiários que esperam há meses pelos retroativos prometidos. Quem sai castigado são os mais vulneráveis, com a gestão do IHRU a revelar-se traumática para quem poupa cêntimos. O apoio que deveria aliviar o peso da habitação transformou-se, para muitos, num novo fator de incerteza.



