Quando Vasco da Gama cruzou o Cabo das Tormentas e inaugurou, para a humanidade, a primeira grande rota marítima permanente entre Ocidente e Oriente, protagonizou um dos mais surpreendentes paradoxos civilizacionais: avançava rumo ao Oriente utilizando, como ferramentas essenciais de navegação, três invenções nascidas no próprio Oriente.

O papel possibilitava-lhe registar observações, elaborar cartas náuticas e transmitir conhecimento acumulativo; a bússola magnética, já incorporada à navegação portuguesa graças à circulação de saberes asiáticos, guiava-lhe o rumo em mar aberto; e a pólvora, adaptada ao universo naval europeu, garantia-lhe algum poder de defesa diante de ameaças imprevisíveis.

Assim, a grande epopeia portuguesa só se tornou possível porque o saber chinês, por meio do sinuoso processo de transmissão cultural, científica e militar, já havia chegado à Europa. O encontro, portanto, não foi de estranheza, mas de reencontro – como se uma civilização avançasse na direção da fonte de parte do seu próprio progresso.

Séculos depois, quando estive pela primeira vez na China, surpreendeu-me perceber algo quase poético: logo nos primeiros dias, encontrei pastéis de nata em padarias, cafés e aeroportos, sinal evidente de uma presença lusitana delicada, doce e, ao mesmo tempo, profundamente enraizada. Aquele pequeno doce, criado artesanalmente no Mosteiro dos Jerónimos, percorreu mares, atravessou impérios, instalou-se em Macau e, mais tarde, ganhou o coração dos consumidores chineses, passando a fazer parte do quotidiano alimentar urbano. Não se trata de um simples produto culinário, mas de um símbolo de convergência, memória e convivência cultural.

A relação entre Portugal e China mantém-se relevante não por nostalgia, mas por pertinência estratégica. Portugal é o único país europeu que desenvolveu com a China uma história de longa duração sem trauma civilizacional, sem rancor geopolítico e sem retórica de superioridade. A China observa Portugal com respeito porque vê nele um parceiro que compreende o valor do diálogo, da paciência histórica e da diplomacia da moderação. E Portugal mantém-se presente na China através de Macau, da língua portuguesa, das redes académicas, diplomáticas e culturais, e da sua capacidade rara de traduzir mentalidades mais do que palavras.

Portugal pode – e deve – exercer na Europa um papel de ponte lúcida com a China. Quem já conectou continentes em condições muito mais adversas não pode, agora, reduzir-se ao silêncio ou à irrelevância.

Portugal detém um legado – e uma responsabilidade – de construir pontes para o futuro. Ao liderar esse engajamento, a Europa se aproximará da China de modo mais equilibrado – não suspenso na rivalidade, mas alicerçado na reciprocidade. Poucos países estão tão preparados para tal tarefa quanto aquele que, um dia, navegou rumo ao desconhecido, mas nunca deixou de reconhecer o valor do outro.