Portugal fez história ao reconhecer legalmente a cogestão das pescas como instrumento essencial para a sustentabilidade dos recursos marinhos. O Decreto-Lei n.º 73/2020 consagra um modelo baseado em decisões partilhadas entre pescadores, administração pública, ciência e sociedade civil, garantindo que a gestão das pescarias assenta no melhor conhecimento disponível e numa corresponsabilização efetiva.

Existem dois comités de cogestão de pescas no nosso país: o da apanha de percebe na Reserva Natural das Berlengas e o da pesca do polvo no Algarve. Foram ambos criados por decisão governamental, mas nunca receberam os recursos mínimos para funcionar. Têm sobrevivido com reuniões asseguradas por meios próprios e com candidaturas pontuais a programas nacionais e europeus, apoios que nem sempre são aprovados e que, quando surgem, não garantem continuidade, previsibilidade nem permitem a adaptação que a cogestão exige.

A cogestão não é um exercício teórico. É um modelo inovador e com provas dadas, através do qual há um maior cumprimento das regras, menos pesca ilegal, decisões mais transparentes, soluções adaptadas à realidade local, maior envolvimento das comunidades nas decisões e uma valorização económica das pescarias e das comunidades que delas dependem. É um processo vivo, construído com base na confiança e no diálogo entre quem conhece o mar por experiência e quem tem a responsabilidade de o gerir e proteger.

Sem apoio, medidas fundamentais continuam por cumprir: monitorização científica, vigilância contra a pesca ilegal, tecnologia para avaliar o esforço de pesca e a realização regular de reuniões, que são o pilar que garante o cariz participativo deste modelo de gestão.

Para manter operacionais os dois comités e implementar ações urgentes são necessários cerca de 125 mil euros por ano, um valor reduzido face ao impacto positivo que este modelo tem na sustentabilidade das pescarias e na economia das comunidades costeiras. E este valor corresponde ao financiamento urgente neste momento, complementando outros apoios já existentes, mas não reflete a totalidade dos recursos necessários para garantir, de forma estável e contínua, todas as componentes da cogestão.

Interromper este processo seria desperdiçar uma conquista que demorou anos a construir. A falta de financiamento coloca em risco a confiança estabelecida entre 40 mariscadores das Berlengas, pescadores e armadores que abarcam mais de 500 licenças para a pesca do polvo no Algarve, 18 associações de pescadores e mariscadores, uma organização de produtores, 14 municípios, três organizações não governamentais de ambiente, centros de investigação e outras entidades envolvidas.

Em vias de votação final global, o Orçamento do Estado para 2026 seria o momento mais do que certo para corrigir esta falha. Financiar a cogestão não é um custo. É um investimento na preservação das espécies, na resiliência das comunidades que dependem do mar e na credibilidade das políticas públicas. O Parlamento Europeu já apelou aos Estados-Membros para assegurarem apoio financeiro adequado e estável a este modelo. Portugal não pode ficar para trás.

Garantir o futuro das pescas portuguesas implica assegurar que a cogestão continua viva. O Governo deve assumir esta responsabilidade e garantir, com urgência, financiamento estrutural que permita aos comités cumprir a sua missão. Sem esse compromisso, o futuro da cogestão e da sustentabilidade das nossas pescas ficará seriamente comprometido.