A relação entre Portugal e a China possui uma profundidade rara no cenário internacional. São mais de quinhentos anos de contatos contínuos, marcados por curiosidade recíproca, aprendizagem constante e um respeito que resistiu a impérios, revoluções e mudanças sistémicas.
Poucos países europeus mantêm uma relação tão antiga e tão livre de antagonismos quanto Portugal — e foi por reconhecer essa singularidade que o presidente Xi Jinping reafirmou neste ano: “Portugal é um bom amigo da China.” Essa afirmação sintetiza a confiança acumulada ao longo dos séculos e revela a oportunidade histórica diante de Lisboa: tornar-se o interlocutor europeu mais estável e confiável de Pequim.
Num continente cada vez mais entrincheirado, dominado por percepções de ameaça e pela erosão gradual de sua autonomia estratégica, Portugal destaca-se como exceção virtuosa. A experiência de Macau, um raro espaço de convergência jurídica, cultural e administrativa, demonstra que Lisboa sabe dialogar com a China sem dramatizações, sem demonizações e sem infantilizações ideológicas. Esse capital histórico precisa agora ser ampliado como estratégia nacional, afirmando Portugal como ponte, mediador e árbitro num momento em que a Europa parece perder clareza e equilíbrio.
Para isso, três frentes são essenciais.
Primeiro, Portugal deve assumir um papel ativo de mediador entre Bruxelas e Pequim, trazendo racionalidade estratégica ao diálogo e afastando leituras superficiais que apenas empobrecem a política externa europeia.
Segundo, é indispensável reforçar a presença portuguesa nos mecanismos multilaterais em que a China é determinante — do AIIB à parceria União Europeia-China — utilizando sua credibilidade histórica para abrir portas que outros países não conseguem.
Terceiro, Portugal deve posicionar-se, cada vez mais, como destino natural do investimento chinês qualificado, sobretudo nos setores verdes, tecnológicos e logísticos, tornando-se a entrada mais segura, previsível e confiável da China no continente.
Mas a vocação portuguesa ultrapassa a Europa. Há um espaço onde sua influência pode ser ainda mais decisiva: a articulação entre a China e o mundo lusófono. Portugal não é apenas ponte; é intérprete, mediador e guardião de sensibilidades históricas.
Nenhum outro país reúne legitimidade, conhecimento institucional e compreensão profunda das dinâmicas chinesas e lusófonas. Essa função torna-se particularmente relevante para o Brasil, que enfrenta uma espécie de esquizofrenia ideológica que o impede de compreender plenamente a importância estratégica de um relacionamento maduro, estável e intensivo com a China. Portugal pode ajudá-lo a reencontrar racionalidade, oferecendo uma via menos contaminada por disputas partidárias e mais orientada para interesses permanentes de Estado.
Portugal não precisa escolher entre Estados Unidos, Europa ou China. Precisa escolher Portugal — sua vocação histórica de ponte, sua capacidade de mediação e seu lugar singular num mundo em transformação. A oportunidade é rara. Portugal pode e deve ser protagonista da nova arquitetura global que se desenha entre a China, a Europa e o universo lusófono.



