A recente reunião do G20 em Joanesburgo, marcada pela presença da União Africana como membro de pleno direito, seguida da Cimeira UE-UA em Luanda, confirma uma realidade que já não pode ser ignorada: África deixou de ser periferia para se afirmar como tabuleiro central da geopolítica global. Este reposicionamento não é hipótese, é facto político, e obriga a Europa – e, por arrasto, Portugal – a rever a sua política externa, a sua segurança e até o seu modelo económico.

África é hoje epicentro da sustentabilidade global. O crescimento demográfico, a escala dos recursos naturais e a aposta crescente em industrialização e energias renováveis tornam inviável qualquer regresso ao padrão extrativista. Iniciativas como a Agenda 2063 da União Africana, os programas regionais de industrialização do lítio ou as estratégias de soberania alimentar mostram que os países africanos não são apenas receptores de políticas externas: são arquitetos das suas próprias agendas e procuram afirmar-se como protagonistas de um novo ciclo de desenvolvimento.

A Europa, porém, tem falhado em transformar promessas em resultados. Entre cimeiras e envelopes financeiros, a crítica recorrente é clara: falta continuidade e sobram projetos desenhados longe do terreno. Enquanto isso, elites e sociedades africanas observam alternativas vindas do Sul Global – dos BRICS à Turquia, Índia ou Golfo – que oferecem rapidez, financiamento concessional e grandes obras. O risco é evidente: sobre-endividamento e opacidade contratual. Mas a atratividade reside na tangibilidade, na obra feita, na resposta imediata às necessidades.

O Global Gateway, com 150 mil milhões de euros, é a resposta europeia. A ambição é certa: infraestruturas, energia, digital, educação, com padrões ambientais e de governação exigentes. O teste real, porém, não se faz em powerpoints de Bruxelas, mas na capacidade de alinhar projetos com agendas africanas e entregar resultados em tempo político útil. Se não o fizer, a Europa perderá a vantagem reputacional para quem chega com menos condicionalidades e mais betão.

Portugal tem aqui uma oportunidade rara. A língua portuguesa reduz custos de transação e cria confiança; as diásporas funcionam como pontes de investimento e sensores privilegiados da realidade local. Mas protagonismo não se conquista com nostalgia lusófona. Exige estratégia, profissionalismo e visão. Segurança marítima no Atlântico Sul, formação técnico-profissional e transferência de conhecimento, apoio à agricultura e às energias renováveis, digitalização administrativa e governação económica são áreas em que Lisboa pode ser facilitador e líder dentro da União Europeia, ajustando instrumentos às especificidades dos PALOP e reforçando a credibilidade europeia.

A Europa encara uma janela estreita: ou reconstrói a sua presença em África como verdadeira parceria entre iguais, ou continuará a perder terreno para atores que chegam com menos perguntas e mais condições implícitas. Portugal, se souber combinar experiência, diáspora e inserção europeia, pode ser mais do que observador: pode ser arquiteto discreto de um novo paradigma euro-africano. Se não o fizer, outros preencherão esse espaço – falando outras línguas, defendendo outros interesses.