A questão do mandato presidencial em Angola é um tema que marca, inevitavelmente, a história política do país, porque o Presidente José Eduardo dos Santos governou por 38 anos, mas só foi “eleito” uma vez. Em 1992, a segunda volta das eleições presidenciais não foi realizada e este só se submeteu a um processo eleitoral em 2012, depois da alteração do procedimento de apuramento dos resultados. Dos Santos assumiu a qualidade do cabeça-de-lista do MPLA, em 2012, tendo sido este o partido vencedor, através de um sistema de maioria simples.

Evoca-se, agora, a possibilidade de o Presidente João Lourenço utilizar o hiato entre a eleição de um novo presidente e a tomada de posse para forçar um terceiro mandato. Demonstrando que a questão do mandato presidencial ainda suscita dúvidas. Em nosso entender, essa possibilidade é pouco provável.

Reconhecemos, no entanto, que a construção do sistema de governo presidencial angolano de 2010 pretendia assegurar uma certa flexibilidade, através de uma válvula de escape, que é a auto-demissão. Evitando, assim, crises agudas e paralisias prolongadas, típicas nos presidencialismos, e que podem resultar em crises de regime. Mas, simultaneamente, garantir uma limitação no número de mandatos presidenciais, que é uma regra essencial nos regimes republicanos. No entanto, esta matéria não ficou, efectivamente, bem estruturada, ainda hoje, no sistema de governo angolano.

Encerrou-se, objectivamente, a possibilidade de a auto-demissão ser utilizada para esvaziar a limitação do número de mandatos. Mas, um actor político pode, ainda, utilizar a substituição do Presidente angolano, no contexto de uma auto-demissão, para exercer um certo controlo sobre o sistema político, mantendo-se na posição de Vice-Presidente da República (VPR). Por exemplo, se o PR angolano toma posse hoje e renuncia ao cargo amanhã, o VPR exerce o restante tempo do mandato em falta (quase 5 anos, com menos um dia), mas, por imposição constitucional, esta situação não constitui, em si, o cumprimento de um mandato.

Se um actor político almeja permanecer no poder, contornando, deste modo, a restrição ao número de mandatos, poderá, perfeitamente, posicionar-se como VPR e presidente do partido. Estará, assim, em melhores condições de indicar um candidato presidencial “fantoche”. A arquitectura político-institucional de substituição presidencial possibilita, efectivamente, a manipulação do número de mandatos. Portanto, o número de mandatos é, ainda, uma questão a resolver em Angola, numa futura revisão constitucional.