A COP30 decorreu num dos contextos internacionais mais difíceis da última década. Chegámos a Belém do Pará, no Brasil, num quadro de ajustamentos geopolíticos, algumas ausências e sensibilidades distintas entre países cuja economia permanece ligada aos combustíveis fósseis. Tratou-se de uma conferência marcada por negociações duras e até um incêndio no penúltimo dia. Era evidente que a alternativa real ao acordo final era um impasse devastador: um não-acordo que significaria, nas palavras do Presidente da COP, “a morte do Acordo de Paris”.
Ao longo destas semanas, tive sempre presente a responsabilidade de quem participa pela 13.ª vez numa Conferência das Partes. Essa experiência permite-me olhar para cada momento negocial com a distância necessária para distinguir o que é desejo do que é possível — e, sobretudo, do que é indispensável para manter o processo vivo.
Foi com esse sentido de responsabilidade que defendi, desde o primeiro dia e até à manhã final, a necessidade de avançar. É verdade que o resultado não corresponde totalmente à ambição da União Europeia. Mas também é verdade que recusar o acordo teria sido alinhar com quem quer travar o processo multilateral, enfraquecer o Acordo de Paris e abandonar os países mais vulneráveis. Não podíamos permitir isso.
Recordo bem o momento. Na noite de sexta-feira, o Presidente da COP, o embaixador André Corrêa do Lago, reuniu com os ministros europeus e deixou um apelo inequívoco: “Se não houver acordo, o Acordo de Paris morre aqui em Belém do Pará”. Nessa madrugada e na reunião interna dos 27, já na manhã de sábado, fui muito clara com os meus colegas: a nossa ambição não pode servir de desculpa para abrir espaço às intenções negativas de quem quer bloquear o processo. A decisão política era entre avançar ou perder tudo.
E avançámos.
Portugal teve um papel discreto onde era preciso e firme quando era necessário. Trabalhámos para manter viva a meta de 1,5°C, preservar o espírito do Acordo de Paris e garantir instrumentos concretos de implementação. Num contexto tão adverso, isso exigiu persistência, capacidade de negociação e, muitas vezes, a coragem de dizer o que precisava de ser dito — mesmo quando era incómodo.
A União Europeia enfrentou momentos de grande pressão interna, mas conseguimos preservar a unidade do bloco. No meu caso, tive particular responsabilidade na área da tecnologia, atuando como negociadora dos 27 no Technology Implementation Programme. Foram horas intensas de discussão, ponto a ponto, para assegurar que o acordo final representava um avanço real e que a cooperação tecnológica continuaria a ser uma peça essencial da ação climática até 2034.
Ao mesmo tempo, trabalhei de perto com outros países para garantir progressos na adaptação, na resiliência e no financiamento climático. Esta COP deixou claro que não basta anunciar metas: é preciso criar instrumentos para que os países mais vulneráveis consigam agir. A operacionalização do financiamento para perdas e danos, o triplicar do financiamento do Fundo de Adaptação até 2035 e os novos indicadores globais são passos que, apesar das limitações, terão impacto real na vida de milhões de pessoas.
A participação portuguesa não se limitou às negociações. Estivemos presentes politicamente, tecnicamente e culturalmente. Na Cúpula de Líderes, onde esteve o sr. Primeiro-Ministro, dr. Luís Montenegro, Portugal foi o primeiro Estado-Membro da União Europeia a anunciar uma contribuição para o Fundo Floresta Tropical criado pelo Presidente Lula da Silva — um gesto reconhecido internacionalmente e que reforça a nossa ligação histórica à Amazónia e ao espaço lusófono.
O nosso pavilhão, concebido por Eduardo Souto de Moura, foi um ponto de encontro para a ciência, a cultura e a diplomacia em português. E, nos últimos dias, também um espaço de solidariedade. Quando o incêndio deflagrou na área dos pavilhões, as autoridades brasileiras requisitaram o espaço como base operacional. Colaborámos de imediato, porque estar numa COP é também isto: apoiar, proteger, servir.
No final de uma semana após esta conferência, não digo que saímos satisfeitos. Nenhum negociador responsável pode estar satisfeito enquanto o mundo continuar fora da trajetória necessária. Mas saí de Belém do Pará convicta de que Portugal cumpriu o seu papel com determinação e sentido de Estado. Mantivemos o Acordo de Paris vivo. Evitámos o colapso do processo multilateral. Garantimos avanços reais em mitigação, adaptação, financiamento e tecnologia. E reforçámos a imagem de Portugal como país que constrói pontes — na ciência, na diplomacia, na lusofonia e na ação climática.
Nesta COP difícil, Portugal foi um país de soluções, cooperação e ambição e estivemos, com orgulho, na primeira linha do compromisso.



