O que têm em comum Zuckerberg, o casal Bill e Melinda Gates, Warren Buffet, Elon Musk, Michael Bloomberg, Brian Acton (Whatsapp) Paul Sciarra (Pinterest) e MacKenzie Bezos, ex-mulher de Jeff Bezos? Sim, são todos bilionários e americanos. Todos têm presença na famosa Forbes 400, a lista de pessoas mais ricas da América. Apesar dos seus 36,6 mil milhões de dólares, MacKenzie Bezos é apenas a 22ª da lista da Bloomberg, a Bloomberg Fortune Index – onde o próprio não figura, talvez por pudor, pois a Forbes atribui-lhe uma fortuna de 35 mil milhões de dólares.
Para além dos milhares de milhões que unem estes nomes, é o que pretendem fazer com eles que aqui me traz. O plano é simples: tencionam doar em vida pelo menos metade do que têm. No caso de Warren Buffet, o compromisso é mesmo tudo dar antes de morrer. Foi o próprio que, junto com o seu amigo Bill Gates, inventou uma coisa chamada “The Giving Pledge”, ou “Promessa de Dádiva”. MacKenzie Bezos, numa carta de grande simplicidade, apenas igualada pela sua generosidade, declarou ao assinar a declaração: “Há muitos recursos que cada um guarda em si e que pode partilhar com outros – tempo, atenção, conhecimento, paciência, criatividade, talento, esforço, humor, compaixão. Para além de tudo o que a natureza me deu, possuo um montante desproporcionado de dinheiro para repartir. [Tomarei o meu tempo] mas não vou esperar. Não descansarei até que o cofre esteja vazio.”
Os cerca de 200 signatários da “Promessa” estão assim comprometidos com doar algo como um milhão de milhões de dólares, talvez mais, dependendo da evolução da sua fortuna. Recentemente, depois de um historiador holandês ter aparecido em Davos a atirar à cara dos bilionários presentes que tudo era muito bonito e bem-intencionado mas que o que era preciso mesmo era que pagassem mais impostos, o debate reacendeu-se quanto a este tema. Muitos (como o holandês de Davos) consideram que o que os americanos fazem é totalmente egoísta, querem ficar bem na foto e serem deixados em paz para fazer o que entenderem com os seus milhares de milhões.
Thomas Picketty tem por tese central do seu pensamento que a herança perpetua e acentua as desigualdades. Ao ser assim – e é difícil contrariar-lhe o argumento, baseado em décadas de análise de evolução económica e concentração de riqueza – Picketty terá pouco o que dizer sobre o que se passa na América. É por lá (sobretudo) que as grandes fortunas não são passadas de pais para filhos, pois o sistema fiscal onera pesadamente as heranças e a tradição é de devolução à sociedade (“give back to society”).
Na Europa, onde existem impostos punitivos sobre as grandes fortunas, os muito ricos não se acham na obrigação de devolver seja o que for à sociedade. A seu ver, esta já se remunerou devidamente e à cabeça. E dedicam-se a influenciar o poder político para não onerar as enormes fortunas assim passadas de pais para filhos. Será por isso que Bernard Arnault e François Pinault, apesar de figurarem entre os muitíssimo ricos, dão esparsamente e sobretudo a causas mais ou menos elitistas, lançando museus ou restaurando Notre-Dame, sendo este último exemplo uma quase obscena competição de vaidades.
Como é óbvio, tracei a realidade a preto e branco. Existem muitas nuances e matizes entre os dois extremos aqui ilustrados. Mas eis um exemplo em que, às vezes, o capitalismo neoliberal traz mais à sociedade que o socialismo redistributivo. Portanto, celebro cada MacKenzie Bezos, cada Buffet. E lamento cada Arnault, cada Pinault. Mas todos refletem a realidade que os seus Estados lhes impõem. Menos imposto em vida, mais imposto na morte, eis aqui uma improvável receita de redistribuição.