A História colou aos populistas o rótulo de antissistema. Porém, os desenvolvimentos mais recentes apontam, também, noutro sentido. De facto, se há partidos populistas que persistem numa estratégia antissistema, já existem casos em que exercem o Poder – a sós ou em coligação – e situações em que os líderes procuram chegar ao governo a qualquer preço. É esse o caso de Pablo Iglésias, um fruto do mediatismo logrado na televisão.
A atual crise que grassa em Espanha e que impediu a investidura de Pedro Sánchez traz a marca de dois homens. De um lado, Pablo Iglésias, o todo-poderoso – por enquanto – líder do populista Podemos. Do outro, Ivan Redondo, o spin doctor de Sánchez, um antigo convidado do programa televisivo de Iglésias.
Talvez confiante na amizade televisiva, Iglésias acreditou que poderia exigir a Sánchez, via Redondo, a vice-presidência para si e vários ministérios para o Podemos. Um excesso de confiança que lhe saiu caro.
Nos bastidores, designadamente nas conversações com Pablo Gentili, uma espécie de assessor de Iglésias, e nos meandros dos media, Redondo deu razão a Maquiavel. Convenceu Sánchez que a estratégia passava por aceitar a derrota para a transformar em vitória.
É à luz desta estratégia que deverá ser vista a campanha orquestrada por Redondo para criar a imagem de um Pablo Iglésias egocêntrico e apenas preocupado com o seu umbigo. Uma estratégia de passos bem definidos desde o início, quando ficou claro que Iglésias nunca seria vice-presidente. Depois foi só ir apresentando propostas com a certeza de que Iglésias não as iria aceitar.
Primeiro, um governo de cooperação onde o Podemos teria cargos, mas apenas no segundo e terceiro níveis da Administração. Depois, a possibilidade do Podemos indicar ministros da sua área, mas independentes e de reconhecido prestígio. Em seguida, a hipótese de Iglésias indicar ministros do seu partido, mas com perfil técnico, em vez de político. Uma forma de impedir que Iglésias e a sua nova companheira, Irene Montero, fizessem parte da lista. Depois foi só fingir condescender ao deixar de rejeitar os nomes indicados pelo Podemos, embora com a óbvia exceção de Iglésias.
A opinião pública estava conquistada. Passou a ver Iglésias como a causa do impasse. Nunca parava de fazer exigências. Não se contentou com três ministérios e a vice-presidência para Irene. Exigiu a vice-presidência e cinco ministérios, entre os quais o da Justiça Fiscal. Vivia a política como se estivesse a arrematar num leilão.
Seria de supor que a boa estratégia fosse aquela que possibilitasse a investidura de Sánchez. Não foi o caso. A estratégia traçada por Redondo foi no sentido de inviabilizar essa investidura. Um contrassenso, mas só aparente.
Redondo percebeu que o PP e o Ciudadanos não estavam disponíveis. Mais sabia que governar com o Podemos seria um inferno com um preço eleitoral incomportável. Como tal, apostou no descrédito público de Iglésias. Não teme novas eleições. Acredita que Sánchez vai colher dividendos.
Quanto a Iglésias, é provável que aproveite a tranquilidade do seu chalé de mais de 600 mil euros para reler Ernesto Laclau. Os conselhos da viúva do teórico do populismo, Chantal Mouffe, não foram suficientes.