Graças ao britânico “Financial Times”, os portugueses acabam de descobrir que Portugal deve ser visto como exemplo por toda a Europa. Uma revelação que deixou as hostes socialistas em êxtase. A maioria absoluta como uma quase certeza.

No largo do Rato, o título tornou dispensável a leitura da totalidade do artigo. Como aquela parte em que se reconhecia o “difícil mas necessário trabalho do anterior governo de centro-direita”. Afinal, tanto Passos Coelho como Paulo Portas, por obra e graça da geringonça, já não estão no ativo. Ou aquela outra parte em que se dava conta de que o sucesso costista era fruto “de boas escolhas políticas e de uma boa dose de sorte”. A parte inicial da frase era mais do que suficiente, embora o povo diga que a sorte protege os audazes.

As hostes socialistas também não tiveram tempo de ler a parte que dava conta da insatisfação dos funcionários públicos e da greve dos motoristas e não mostraram grande apreço quando o “Financial Times” avisou que António Costa “ainda tem muito a fazer num país onde a dívida pública continua acima de 100% do PIB”, até porque se estão a juntar na economia mundial “as nuvens de tempestade”.

Como é que o jornal não percebe que, no meio de tantos elogios, não cabe lugar a uma espécie de coro de tragédia grega? Será que receia que se venha a repetir a situação ocorrida em 2007 quando elogiou a política económica de José Sócrates na véspera de uma quase bancarrota?

Para o largo do Rato o importante era que o “Financial Times” se tivesse ficado pelos indicadores do sucesso económico. Esses sim é que são dados objetivos, mesmo quando não explicam a forma desigual como o rendimento continua a ser distribuído ou a precaridade de muitos postos de trabalho. Aqueles que não podem ser considerados emprego.

Como nem o acaso acontece por acaso, os elogios vindos do estrangeiro coincidiram no tempo com duas medidas internas que deram razão à sagacidade que o jornal vê no primeiro-ministro português.

Assim, como forma de obstar ao peso eleitoral crescente que o Bloco de Esquerda evidencia, António Costa fez questão de chamar a atenção para o perigo que isso representa para a estabilidade governativa. Uma forma de procurar captar votos entre a fação mais moderada do eleitorado bloquista. Uma estratégia complementada pelos elogios ao PCP, na esperança de que os comunistas também possam ajudar à erosão bloquista.

Além disso, nos vários casos que envolvem familiares de membros do seu Governo que fizeram negócios ou prestaram serviços ao Estado, em vez de declarar nulos tais atos e de exigir demissões, o primeiro-ministro solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Porém, não tardou a avisar que tinha muita dificuldade em ver nesses atos qualquer indício de incompatibilidade. Uma forma de se antecipar ao parecer.

Aliás, foi ainda mais longe. Fez questão de dizer que poderia não o homologar. Dito de uma forma mais clara: só o aceita se for ao encontro da sua vontade. Uma decisão que muitos líderes populistas não teriam qualquer dúvida em subscrever. Poderia parecer falta de sagacidade, mas Costa soube dar a volta ao texto. Respaldou-se em “razões de avaliação política”. Um golpe de mestre!

Face ao exposto, se em Portugal ainda vigorasse a monarquia, parece consensual que a questão do cognome já estaria praticamente resolvida. Não andaria longe de “Dom António Costa do Rato, o Sagaz”.