Os debates sobre o Brexit têm-se centrado invariavelmente nas questões económicas e financeiras, esquecendo sistematicamente o tema da defesa, que não é assunto menor. Existe uma tendência quase masoquista para se ver apenas o lado negativo da saída. Os argumentos são conhecidos: segunda maior economia da Europa, contribuinte líquido para a União, poder militar mais importante (possuindo armamento nuclear), membro do G7, membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Outros argumentos podiam ser acrescentados. É um facto que a saída do seu membro militarmente mais apetrechado reduzirá a capacidade de a União operar a uma escala global. Uma análise mais fina do acontecimento conduz-nos a resultados menos dramáticos. Se tiver vontade, a União não deixará de ser um ator global por causa da saída do Reino Unido.
A situação internacional do Reino Unido não vai melhorar. Não poderá cavalgar a onda da União que lhe abriu tantas portas, nomeadamente no Norte de África. Do antecedente, a sua voz era ouvida e condicionava as decisões da União. Ao sair a capacidade para moldar as decisões estratégicas de Bruxelas desvaneceram-se, assim como a possibilidade de subverter a agenda da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD). O Reino Unido tinha poder de veto, com a sua saída deixará de o ter, não podendo mais frustrar as aspirações dos restantes membros da União em matéria de defesa.
A relevância internacional do Reino Unido ficará agora mais dependente dos interesses e da disposição dos EUA. Terá de se portar bem, para ser recompensado. Perdeu o estatuto de primus inter pares que desfrutava enquanto membro da União Europeia para se relacionar de modo subordinado com os EUA, por muito “especiais” que sejam as relações entre ambos.
Com o Brexit, os EUA perderam capacidade para monitorizar e interferir no desenvolvimento da PCSD. Não é por acaso que segmentos importantes da elite política americana consideram o desenvolvimento e reforço da PCSD uma ameaça aos seus interesses geopolíticos, receando que a União se possa transformar num centro de poder, que compita com o projeto hegemónico global americano e desafie a sua liderança. Como aliado indefetível dos EUA, instalado no interior da União, o Reino Unido podia assegurar-lhes que a integração da defesa europeia se manteria dentro dos limites considerados aceitáveis.
O Brexit não significará a partida completa do Reino Unido. A geografia não muda. A sua segurança continuará ligada à da Europa, mas desta feita com um estatuto menor. Independentemente da sua vontade, terá de continuar a cooperar com a PCSD, mas como um parceiro externo, sem acesso aos mecanismos de decisão da União. Qualquer que seja o estatuto ou arranjo que venha a negociar com a União Europeia, em matéria de segurança e defesa será sempre pior daquele que tinha até ao momento, como membro da União.
O Reino Unido fez tudo o que estava ao seu alcance para impedir o desenvolvimento e consolidação da PCSD. Mobilizou todas as suas energias para impedir a criação de uma capacidade militar europeia autónoma. Temos de admitir que o fez de uma forma superlativa. Por isso, se calhar nem tudo é mau com a sua partida e o saldo final não é tão negativo como se poderia pensar.