(Por ocasião da publicação de uma entrevista rápida que dei a um jornal desportivo, entrevista esta em que o tom era de brincadeira e de trocadilhos, fui novamente objecto de um chorrilho de disparates, vindos de alegados membros do mesmo clube que eu. Uns dias antes o alvo foi o Presidente da Comissão que integrei, igualmente por causa de uma opinião, com a qual, aliás, não concordo. As pessoas desaprenderam de esgrimir argumentos e limitam-se a chamar nomes e a apregoar mentiras. Se as redes sociais se tornaram um esgoto a céu aberto, onde, a coberto da liberdade de expressão, as pessoas acham que podem ofender os outros, o que é certo é que há quem não se deixe intimidar e olhe com uma certa complacência para os mortais que, à laia de outros argumentos, se assemelham a personagens que estariam bem no Portugal dos Pequenitos ou lá como se chama aquela ode ao Antigo Regime. A paciência, contudo, um dia esgota-se.)
Na apresentação de um livro do meu pai, António Pedro Vasconcelos proferiu diversas frases que, pelo seu acerto, assumem contornos de intemporalidade. Permito-me destacar uma delas: passamos a vida a falar de corruptos e nunca ouvimos falar dos corruptores.
O nosso país tem várias particularidades e uma delas é existirem corrompidos sem corruptores, sendo que os exemplos abrangem todos os sectores de actividade, começando na política e acabando no futebol.
Na exacta manhã do dia em que escrevo estas linhas acordei com a notícia das buscas tanto no MAI quanto na Protecção Civil e dei por mim a pensar que, de facto, o realizador tem toda a razão. Se a justiça funcionar, e tantas vezes não funciona, no caso daquelas golas ridículas que não serviram para nada (isto é, nem para a própria “sensibilização” com que se justificou aquele absurdo ajuste directo) teremos uma condenação qualquer, preferencialmente de pena suspensa, de uns anónimos funcionários. O cérebro escapará, como sempre tem sucedido, sendo que as diligências em curso obviamente não levarão a grandes conclusões. Para mostrar serviço bastará uma acusação, ainda que eivada de erros que não resistirão ao primeiro embate.
Não sei se algum dia alguém fez as contas aos milhões que se perderam em actos de corrupção e desconheço se existe interesse público em tal. Sei, apenas, que, entre nós, a complacência que tento dirigir aos que me tentam insultar é a mesma com que estas pessoas, corrompidos e essencialmente corruptores, são tratados. Se os primeiros têm, muitas vezes, comportamentos feios e, direi mesmo, porcos (no sentido ordinário do termo), os maus são os que desviam milhões do erário público para as suas contas. Não tenho dúvidas sobre quais são os mais nefastos mas também não me deixo enganar pela (só) aparente energia de uma justiça que raramente sabe ser forte com os mais poderosos.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.