Sabendo-se que os países não podem confinar-se eternamente, sob pena de se aplicar o ditado popular “não se morre da doença, morre-se da cura”, as esperanças encontram-se depositadas nas vacinas que conseguiram ser desenvolvidas em tempo recorde e que, agora, começam a ser administradas às populações dos diversos países afetados pela pandemia.
Ora, se nalguns países o processo de vacinação tem decorrido de forma exemplar, o caso de Israel é paradigmático, noutros, o processo tem avançado “a passo de caracol”, com uma percentagem muito baixa da população vacinada, sucessivas alterações de critérios quanto aos grupos prioritários e abusos na corrida ao “néctar milagroso”.
Portugal é, como seria de esperar, um desses países onde tudo tem corrido de forma pouco eficiente e onde os abusos são diariamente relatados nos meios de comunicação social. Passado mais de um mês desde o início do processo, apenas ligeiramente mais de 0,5% da população foi integralmente vacinada (tendo tomado as duas doses), mas, ao invés, são todos os dias conhecidos casos de autarcas e outras pessoas com responsabilidades políticas que distribuem vacinas pelos seus familiares, vizinhos ou amigos, num processo em que, uma vez mais, os mais altos responsáveis da nação vão “sacudindo a água do capote”, deixando sempre que a culpa “morra solteira” ou limitando-se a deixar cair a “arraia miúda”.
A falta de planeamento no processo de vacinação é gritante, com vários dos abusadores a desculparem-se com o facto de não saberem o que fazer com as vacinas sobrantes, como se estas fossem em tal número que não deixam mãos a medir aos que têm a tarefa de as distribuir e administrar à população.
À cabeça da chamada task-force do processo de vacinação, estava Francisco Ramos que, nos últimos dias, produziu um conjunto de afirmações que explicam a sua escolha por parte de António Costa para liderar um processo de tamanha relevância.
Confrontado com os abusos diários verificados num processo de vacinação que só agora se iniciou, Francisco Ramos brindou-nos com algumas pérolas, afirmando que “não é competência nem preocupação da task-force andar à procura de quem faz batota”, que mesmo os “batoteiros” devem poder, de imediato, tomar a segunda dose da vacina, e, finalmente, dando nota das suas ideologias, ao referir não caber à task-force infligir castigos nessa matéria, apontado o chamado espírito vingativo de certos portugueses como justificação para os 12% que nas eleições presidenciais colocaram a cruzinha à frente do candidato André Ventura.
Foi a Francisco Ramos que o primeiro-ministro decidiu confiar a importante missão de coordenar o grupo de trabalho criado pelo Governo para definir o plano de vacinação contra a Covid-19.
Daquilo que pudemos ver, foi, apenas, mais um tiro no pé, para um primeiro-ministro que sabe nada ter a temer, uma vez que a maioria dos portugueses, por mais “água” que decida meter, continuar a confiar-lhe o seu voto nas urnas, embora seja certo que tal se fica, em larga medida, a dever a uma oposição que é, em Portugal, uma simples miragem, tão fracas são as alternativas que se apresentam aos portugueses na hora de depositarem na urna os seus votos, o que explica, mais do que qualquer outra rebuscada tentativa de análise científica do fenómeno, o crescimento exponencial do Chega e do seu líder, André Ventura.
Francisco Ramos, acossado, acabaria por se demitir da função que lhe havia sido confiada, deixando órfã a comissão de coordenação do processo de vacinação, na sequência de irregularidades detetadas no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente do Conselho de Administração. Mais uma vez, como em tantos outros casos que vêm marcando o executivo socialista, sacrificou-se o peão e ficaram intocadas as restantes peças importantes do xadrez político.
Espera-se, agora, pelo menos, que António Costa, saiba substituí-lo por alguém capaz de “agarrar o touro pelos cornos”, o que, considerando o seu histórico de nomeações, não será fácil, uma vez que têm sido, no mínimo, desastrosas as suas escolhas para lugares-chaves.
A vacinação é um processo demasiado importante para continuar a obedecer a lógicas partidárias que inquinam os seus resultados. Centenas de portugueses morrem diariamente nos nossos hospitais, os quais estão para lá da rutura, milhares de famílias foram condenadas à pobreza pela pandemia, a atividade económica está mais do que anémica. Perante este cenário é criminoso não escolher os melhores para liderarem o processo e, ainda mais, pactuar-se com o “chico-espertismo” de um punhado de portugueses que beneficia da complacência de um país de excessivos brandos costumes, onde começa a ser hora de “cortar a direito”, evitando que a catástrofe em que mergulhámos nos conduza, ainda mais, para o cadafalso anunciado.