Apercebi-me quando durante o fim de semana via um filme, daqueles que tratam do quotidiano, de coisas que poderiam passar-se com qualquer um.
As ruas, as lojas e os restaurantes cheios. Discotecas, festas de amigos, reuniões e encontros. Viajar de comboio, os estádios repletos, as filas, entrevistas de emprego e os apertos de mão – tudo o que fazíamos até março de 2020. Incrivelmente, senti-me desconfortável com aqueles personagens. Os seus pecados já não eram o que diziam ou faziam. A minha sensação era de estranheza: o que fazia aquela gente demasiadamente junta, sem cuidados nem cautelas? Quem no seu perfeito juízo poderia abraçar assim de repente um desconhecido ou ceder um cigarro?
Dickens terá escrito que “o homem é um animal de hábitos”. E, se assim é, então habitua-se. Passados 10 meses, será que já nos habituámos a viver desta forma? Durante o verão passado houve uma trégua, pudemos voltar um pouco ao normal, mas de guarda-sóis afastados e com a máscara e o álcool-gel atrás. Sempre com algum receio em relação ao outro, aceitando e compreendendo restrições e proibições, relativizando o autoritarismo ou a importância da escola. Nem vale pena falar de como estamos a viver este inverno.
Como foi possível que este medo ficasse impregnado na nossa mente? Como deixámos de ser livres em tão pouco tempo? Que robustez tinha a nossa forma de organização que um vírus parecido com tantos outros colocou o mundo de joelhos?
O grande desafio para o futuro não é apenas regressar ao normal. É construir um mundo mais forte, resiliente e em que possamos ser livres, mesmo perante as maiores ameaças.