Nas últimas semanas, um grupo de investidores juntou-se no sentido de comprar acções, nas quais alguns fundos de investimento estavam vendidos, sendo a mais badalada a GameStop. Estar vendido é a terminologia usada para pedir acções emprestadas a um investidor e, de seguida, vendê-las no mercado, esperando que o preço baixe para assim ganhar dinheiro.
Estas operações são frequentes quando os investidores têm a expectativa que a actividade de uma empresa se encontra em declínio, o que poderá levar a uma queda da sua cotação no futuro.
Desde sempre que existem pequenas guerras entre investidores, no sentido de uns forçarem os outros a perder dinheiro e a fechar as suas posições. Foi assim nos anos 70 com a especulação na prata, em 2008 com a Volkswagen, em 2012 com a Herbalife e a batalha entre Carl Ichan e Bill Ackman, e agora com a GameStop.
A diferença está na rapidez com que estas operações acontecem e no efeito de arrastamento de pequenos investidores que, sendo avessos ao risco, seguem as indicações que circulam em alguns fóruns, de youtubers, bloggers ou tiktokkers sem qualquer experiência e devida fundamentação, cujo objectivo é angariar o máximo de audiência possível, capitalizando assim os seus próprios interesses.
As redes sociais e a democratização do acesso aos mercados financeiros vieram alterar o conceito de manipulação de preços e de interesses, onde o cliente deixa de ter qualquer intervenção e passa a ser o produto.
O mesmo se passa ao nível da intermediação financeira. Mesmo sob o olhar dos reguladores mundiais, algumas empresas iniciaram o modelo de comissões zero, que alicia pequenos investidores a investir no mercado, em especial nesta fase de confinamento. Muitos destes modelos consistem em ter o máximo de clientes possível, angariar dados e vendê-los.
Ora, os dados mais preciosos dos investidores são as suas ordens, os valores de compra ou de venda e as quantidades, antes destas serem executadas.
Ao adoptar o modelo de comercialização de ordens, o interesse do cliente fica prejudicado. Por um lado, não paga comissões mas permite que terceiros, fundos ou instituições, transaccionem antecipadamente, criando um custo escondido, difícil de quantificar na maioria das vezes. Por outro lado, a facilidade com que os investidores conseguem transaccionar opções sem terem conhecimento ou condições financeiras, mais uma vez sob o olhar passivo dos supervisores, abre espaço para um mercado altamente especulativo.
No ano 2000, as corretoras americanas exigiam um depósito de 50.000 dólares para um investidor poder transaccionar opções. Actualmente, com 2.000 dólares os pequenos investidores têm acesso a produtos de “destruição maciça”.
Foi o que aconteceu com a GameStop. Os rumores, a euforia, a ganância e a emoção em torno da possibilidade de deitar abaixo os grandes hedge funds, cegou a racionalidade do que deve pautar o investimento. Ao investir com emoção e em rebanho, esta vaga de novos investidores arrisca-se a ficar sem nada e em pouco tempo.
Estes impulsos apenas podem ser combatidos com literacia financeira. Procurar a cana e não o peixe é fundamental para a sustentabilidade de longo prazo.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.