Nicolás Maduro continua a surpreender e não pelas melhores razões. De facto, como forma de esconder um regime ditatorial debaixo da designação de uma pretensa revolução bolivariana, criou uma espécie de culto à volta de Hugo Chávez. Daí querer que o povo venezuelano acredite nas visões que diz ter do líder morto. Um culto a que não escapam os rituais da Igreja Católica. Uma atitude que já vinha de trás quando o regime resolveu que a Navidad teria mais encanto se substituída pela Chavidad.
Só que desta vez, Maduro ousou ir mais além. Decidiu que dispunha de poder para alterar o calendário litúrgico e que o Natal é quando o grande chefe quiser. Verdade que não mudou a data em que se celebra a vinda de Jesus, aquele que viria a ser Cristo, ao mundo. Contentou-se em ordenar a todos os ministérios que antecipassem num mês a quadra natalícia.
Uma ordem prontamente acatada como mostrou a pronta iluminação da cruz de Ávila. Que a cruz ilumine um país destroçado e dividido parece não incomodar Maduro. O importante é que não se repitam situações anteriores como quando faltou o tradicional pernil. Culpa que o regime não demorou a atribuir à União Europeia, com enfoque especial em Portugal, e à Colômbia.
Desta vez, o erro não se pode repetir. Maduro já deu ordem para a compra de 13.500 toneladas de pernil. Coisa para custar à volta de 11 milhões de euros. Uma despesa que será acrescida de mais uma verba porque o governo não pode esquecer aqueles que designa como patriotas, ou seja, todos os que continuam a acreditar num regime que força uma parte dos seus cidadãos a procurar alimentos no lixo. Esses defensores do regime, possuidores da caderneta da Pátria, vão receber um bónus designado por “Venezuela Vitoriosa”. Um total de 75.000 bolívares. Uma fortuna à primeira vista, ou seja, antes da conversão mostrar que valem à volta de 3 euros.
Não parece difícil prever que esse bónus não vai ser suficiente para os venezuelanos comprarem outro dos pratos sem os quais a mesa de Natal não faz sentido. Os pobres, que cada vez são mais e que já absorvem uma parte considerável da antiga classe média, muito dificilmente vão poder comer a hallaca. O prato que traduz a realidade miscigenada do povo venezuelano, pois combina produtos oriundos das culturas negra, índia e espanhola.
Terão de se contentar com o pernil. Maduro, apesar da riqueza do país em petróleo, diamantes e coltan, indispensável para os telemóveis, não tem dinheiro para mais. Como tal, não são oficialmente aconselháveis reclamações. A menos que queiram obrigar o governo de Maduro a repetir o tratamento que deu aos professores e às enfermeiras que ousaram fazer greve. Num país em que falta quase tudo, é oficialmente desaconselhável faltar ao trabalho.
Para Maduro, o importante é que a rumba comece. Tristezas não pagam dívidas nem evitam os cortes de água ou as falhas de eletricidade. O essencial é convocar o povo para a rua, mas para celebrar a festa e nunca para apresentar reclamações.
Face ao exposto, esta antecipação da quadra natalícia constitui mais uma das invenções do estertor de um chavismo moribundo porque incapaz de resolver os problemas dos venezuelanos. Afinal, Mário Grondona tinha razão quando dizia que os populistas gostam tanto dos pobres que os multiplicam. Aí sim, Maduro esteve à altura. Segundo dados da Coligação de Organizações pelo Direito à Saúde e à Vida, em 2018, conseguiu a “proeza” de fazer com que 87% dos venezuelanos sejam pobres e 61% vivam em pobreza extrema.
Não é pelo Natal celebrar a vinda de um Menino que a distribuição do pernil de porco vai resolver a subnutrição de 55% dos meninos venezuelanos com menos de cinco anos.