Há mais de vinte anos, a banca de retalho dita tradicional enfrentava os primeiros desafios da transformação digital. São de finais da década de 90 do século passado, os primeiros serviços de internet banking sobre www e já neste século surgem as primeiras soluções de mobile banking, primeiro através de protocolo wap mais tarde em smartphones.
A banca de retalho teve capacidade de se transformar e crescer em serviços à distância, como que por extensão da centralidade da sua relação balcão-cliente. Canais complementares, canais à distância, novos canais, são apenas prefixos de designações de departamentos especializados na estrutura tradicional dos bancos. Nesse período, a discussão centrava-se na relação-cliente balcão ou canais à distância, ou ambos com a gestão assegurada por gestores com presença física. Há instituições que foram lançadas totalmente web-based e posteriormente evoluíram para “bricks and clicks”, ou seja, a solução global multicanal, dos chamados legacy systems de suporte operacional à atividade.
Hoje, o desafio aos incumbentes é superior. O desenvolvimento tecnológico do final da década que agora termina permitiu a popularização de tecnologia, a par da proliferação de dispositivos móveis. Jovens da geração Z não se coíbem de afirmar que o que não está no seu telefone não existe. Não creio que esses mesmos jovens visitem regularmente balcões bancários e ATM, preferindo a relação banco-telemóvel. Mudança significativa e acelerada de paradigma nos serviços bancários básicos.
De acordo com o relatório “CB Insights Global Fintech”, do primeiro semestre de 2019, as fintechs startups tinham captado em investimento para o seu desenvolvimento cerca de 8,3 mil milhões de dólares, 5,3 nos EUA e 1,5 na Europa. Em termos homólogos, um crescimento de 25,7% no investimento. A valorização destas financeiras tem vindo a crescer. Existem 48 fintech a nível global com um valor de mercado superior a mil milhões de dólares (fintech unicórnios), valorizadas em 187 mil milhões de dólares (cerca de 169 mil milhões de euros).
As soluções tendem a ser multigeográficas. Na Europa, é fácil encontrarmos soluções de digital banking, suportadas por digital wallets de cartões pré-pagos como centro da relação, mas que tendem a incrementar os serviços financeiros de maior utilização no crescimento da relação com os clientes. A nível europeu, existem fintechs com mais de cinco milhões de contas abertas e noutras geografias ultrapassam uma dezena de milhão.
Tem-se registado grande crescimento em soluções de serviços de capital markets e wealth management e as soluções de crédito (lendingtechs) e de seguros (insurtechs) estão numa fase inferior de desenvolvimento, devido às exigências de regulamentação de cada geografia.
Não é possível esconder que estas tendências de desenvolvimento do mercado financeiro estão a “fatiar” a cadeia de valor das instituições tradicionais, que têm um investimento significativo e enorme estrutura de suporte às atividades de controlo, gestão de riscos, reporting e compliance cujas exigências foram crescendo atentas aos tempos conturbados da recente crise financeira.
Os bancos instalados têm mercado, clientes e valor que não partem do zero. Mas, agora, o desafio é mais sério: o nível de rendibilidade da banca reduziu-se significativamente com taxas de juro historicamente baixas, carteiras de ativos de rendibilidade anémica e uma forte pressão regulamentar sobre a expansão do comissionamento. Após a capitalização dos bancos e a estabilização da liquidez, o desafio que se segue é o da rendibilidade num contexto adverso. Acima disto, a exigência do “time to market” da transformação digital para os tradicionais evoluírem, eles próprios, para fintech. Ainda que parcelar e faseadamente. É duro. Mas é possível.