O sector público português encontra-se ainda organizado de acordo com o modelo napoleónico. O princípio da legalidade e o “império da lei” condiciona integralmente a ação pública, secundarizando a vertente da eficiência e até mesmo o da igualdade. Não é por acaso que, a formação do XXII Governo Constitucional integra ministros “da transição digital”, “da modernização e administração pública”, “da ação climática” ou “da coesão territorial”.
Esta formulação sinaliza, pelo menos em sede de título, a necessidade de mudança de paradigma. O Estado deve ser, hoje, uma entidade niveladora de “riscos”, promotora de reformas, garantindo uma maior eficiência económica, essencial para a competitividade internacional do País, garantindo uma atenuação das desigualdades, a nível social, territorial e intergeracional.
Esta transformação do modelo do Estado deve ser transposta para a cultura de decisão de todo o sector público. E nada tem um impacto mais alargado do que a reforma do sistema de finanças públicas. De facto, os modelos de contabilização atual são, como não poderia deixar de ser, de matriz napoleónica. A “caixa” é privilegiada relativamente ao “acréscimo”. Isto quer dizer que o bom desempenho público é medido em função da estrita gestão orçamental de receitas e despesas e não pelo valor acrescentado que deverá trazer à sociedade. Nada mais errado, o Estado existe para garantir a satisfação das necessidades dos cidadãos, e essa preocupação deverá ser o mote essencial e único da sua atuação. Essa “criação de valor” passa igualmente pela eliminação de custos supérfluos no processo de decisão e pela eliminação de barreiras burocráticas irracionais. Se compete ao Estado regular o mercado de forma eficiente, também ele se deverá organizar da forma mais eficiente possível. O programa Simplex foi importante nesse desígnio. No entanto, as transformações ao nível do “front-end” com o cidadão encontram-se praticamente esgotadas. Há que passar para um “Digitalex”, que atue no back-office dos serviços públicos.
Finalmente, a ótica da igualdade. A coesão social, territorial e intergeracional são dimensões políticas essenciais. Deixando a coesão social para a segurança e solidariedade social, a vertente da coesão territorial e das alterações climáticas adquirem uma relevância fundamental. O sucesso de uma política territorial passa pela nivelação das suas políticas em função da densidade. As regiões de alta densidade deverão ter políticas de alta densidade, e as zonas de baixa densidade políticas de baixa densidade. Isto parece óbvio, mas muitas vezes é distorcido. Lisboa e outras zonas de elevada densidade são “combatidas” e tenta-se implementar, inevitavelmente sem sucesso, políticas de alta densidade em zonas de baixa densidade, com enorme desperdício de recursos públicos.
Paralelamente temos ainda a questão das alterações climáticas, elemento crítico da solidariedade intergeracional. Neste quadro, tão importante como a transição energética será a questão da disponibilidade de água. E, no quadro das funções de atenuação de risco, a água estará inevitavelmente no topo máximo das prioridades. A garantia de abastecimento deverá ser promovida, bem como a utilização eficiente dos escassos recursos disponíveis.
Finalmente, a questão essencial: o conhecimento do território. Falamos de todo um conjunto complexo de políticas de promoção económica, mas ainda não conseguimos concluir o processo de cadastro. Enquanto tal não se encontrar concretizado, tudo o resto assentará em fundações em “solo desconhecido”.