Os modelos universitários têm grandes variações de acordo com as latitudes onde estão implantados. As críticas a uns e outros, bem como as comparações entre essa diversidade de possibilidades são o prato do dia para quem se preocupa, trabalha ou sobrevive nesse ambiente.
Com isto quero deixar aqui muito claro, e acredito piamente no que estou a escrever, que há vantagens e desvantagens em todos os sistemas. Contudo, não penso que estes modelos devam estar isentos de reflexão. E isto é tão ou mais relevante quando falamos na esfera académica, por natureza o ramo da sociedade com maiores responsabilidades e liberdade (?) para o fazer.
Mas como a vida é irónica, não raras vezes é precisamente neste espaço que assistimos a um dos maiores “genocídios de almas” do nosso tempo. Exagero? Talvez não. Em Portugal (mas não só) os lugares são limitados para entrar na carreira, a carreira em si é muito distinta em termos da praxis da possibilidade de progressão, estando (como a fase anterior) mais dominada por políticas internas, jogos de poder e até acasos.
A lógica é a do princípio de Mateus, isto é, a da vantagem para quem já está numa posição de vantagens. Isto quer dizer que todo o professor universitário que tem uma posição permanente não a merece? Não, claro que não. Aliás, está nas mãos destes interlocutores mudarem o estado a que chegámos. Isto faz-se de um dia para o outro? Não, não se faz. Faz-se sem a colaboração de todos e sem um investimento maior no ensino superior? Não, não se faz. Mas faz-se de vontade e de coragem.
Recentemente foi notícia a existência de docentes universitários a leccionar sem receberem um salário. Sendo assim, a formação universitária, quer dizer, partes da mesma, é relegada para o nível da actividade a título gracioso. Interrogo-me: quem trabalha de graça? Imagina-se um professor primário, enfermeiro, polícia, juiza, auxiliar de limpeza, etc., a trabalhar sem receber a respectiva remuneração? Não, pois não?
Sabemos que aqueles que, muitas vezes, aqueles que optam por este caminho (o de dar aulas na Universidade a título gracioso) o fazem na esperança de virem a ser integrados no futuro. E tal acontece para alguns, mas não sem prejudicar todos os outros que tentam fazer carreira de maneira “legal”, i.e., auferindo uma remuneração pelo seu trabalho. Importa, contudo, frisar que estas pessoas não são responsáveis por este sistema altamente prejudicial. Mas sendo assim, quem será?
A ironia disto tudo é que até para “ser-se explorado” é preciso ter uma certa condição. Outra vez o princípio de Mateus a funcionar: quem não tem sustento simplesmente não pode deixar de receber uma remuneração sob pena de não ter como pagar a sua sobrevivência. Além do mais, se quiser ficar em primeiro lugar num concurso para Professor Auxiliar tem que ter experiência lectiva. Ou seja, cá temos uma vez mais a lógica da “pescadinha de rabo na boca”.
Acresce que a probabilidade de se ser convidado para a docência nestes moldes (e noutros) quando se está próximo do centro de decisão é maior. Existe, portanto, uma tensão dual: se por um lado há uma injusta apropriação do trabalho do outro, das suas competências, do seu tempo, etc., por outro lado, há uma recusa na diversidade no que diz respeito ao mundo académico. E isto não é de hoje, é tão antigo como a nossa Democracia (para não ir mais longe…).
A diferença é que hoje se fala mais no assunto, estamos mais cientes, talvez porque a democratização do conhecimento começa finalmente a dar passos, ainda que muito ténues. A Universidade reflecte-se na sociedade e vice-versa. Devemos agir de acordo com o que pensamos se aproxima mais do modelo que desejamos, mesmo aqueles que nunca consideraram esse cenário.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.