Quem acha que o problema das pessoas em situação de sem-abrigo é simplesmente a falta de habitação não conseguirá resolver um problema que tem uma enorme complexidade. Paradoxalmente, e de acordo com um estudo recente, a atribuição de uma casa é a forma mais eficaz de resolver os problemas das pessoas em situação de sem-abrigo.

Housing first – ou casas primeiro – é o nome de uma estratégia inovadora que dá habitação e presta apoio social e de saúde a pessoas em situação de sem-abrigo. Um estudo deste ano sobre as experiências desta estratégia em 19 países europeus dá conta que estes programas são a maneira mais eficaz e eficiente de retirar as pessoas da rua.

Eficaz porque as taxas de sucesso são várias vezes superiores às de outros programas dirigidos a estas pessoas, eficiente porque os recursos que utiliza são menores, na medida em que consegue a autonomização das pessoas envolvidas. Neste programa, a habitação é tida como um Direito Humano e as decisões são tomadas pelas próprias pessoas, sempre com o acompanhamento de técnicos especializados.

Durante décadas a metodologia foi a inversa: a recuperação era vista como uma ‘escadinha’ e só se atribuíam habitações se as pessoas estivessem “prontas” para viver autonomamente. No entanto, os problemas das pessoas em situação de sem-abrigo são múltiplos e complexos e nunca ninguém conseguia “estar pronto” para nada, fazendo com que os que os programas falhassem.

A realidade das pessoas em situação de sem-abrigo é complexa. São pessoas com fracas redes de apoio, algumas com historial de consumos ou doença mental. Para além disso, anos de vida na rua podem desestruturar até as competências sociais das pessoas, que podem deixar de ter interesse ou autonomia em gestos quotidianos como a sua higiene pessoal ou alimentação.

O Housing First é uma pedrada no charco porque atribui uma habitação a quem vive na rua e, em simultâneo, presta apoio social e de saúde permitindo que as pessoas tenham condições para se autonomizarem. As taxas de sucesso de recuperação e autonomização das pessoas em situação de sem-abrigo são enormes e os dados dos 19 países estudados dão conta desses bons resultados.

Portugal é um dos países em causa, e onde a taxa de retenção da casa e de manutenção no programa por parte dos participantes foi de 80% – um ótimo resultado, ao nível dos melhores da Europa. No entanto, o Housing First só existe em Lisboa e abarca apenas 80 casas, o que é claramente insuficiente.

O programa que existe em Lisboa é financiado unicamente pela Câmara Municipal de Lisboa e os dados revelam um enorme sucesso. Há poucos dias, o vereador do Bloco de Esquerda (PS e Bloco têm um acordo de governação da câmara da capital) fez saber que o novo Plano Municipal para as pessoas em situação de sem-abrigo tem a ambição de oferecer a cada uma das pessoas uma saída da rua até 2021, e que o fará apostando fortemente no Housing First, aumentando a resposta de 80 casas para 230 já no próximo ano.

O Presidente da República tem-se desmultiplicado em pedidos ao Governo para que intervenha na área das pessoas em situação de sem-abrigo, mas, infelizmente, como disse Manuel Machado, autarca do PS e presidente da associação nacional de municípios, as câmaras municipais foram deixadas sozinhas a tratar deste problema e os 131 milhões de euros prometidos por António Costa em 2017 ainda não chegaram ao terreno.

Como já aqui escrevi antes, não vale a pena falar do milagre finlandês nesta área e não fazer nada. A solução para o problema das pessoas em situação de sem-abrigo é bem conhecida e precisa de investimento do Governo.