O país político – dos protagonistas aos comentadores – reagiu sonoramente ao resultado de André Ventura nas eleições presidenciais. A democracia, há muito posta em sossego – reflexo da sua solidez –, sobressaltou-se com o aparente sucesso do candidato do Chega.

Aparente porque quase 90% dos eleitores votaram em candidatos pertencentes ao consenso constitucional e mais de 60% depositaram a sua confiança num candidato fundador do regime, que Ventura se propõe – sabe-se lá como, porquê e para quê – refundar. Aparente também porque o partido de Ventura não reúne condições para assumir maiores responsabilidades políticas, nomeadamente de governo.

Ventura, com a berraria costumada, particularmente inapropriada no momento em que o país enterra diariamente centenas de vítimas de uma terrível doença, anunciou o resultado como um triunfo, para lhe ampliar o efeito e parece ter convencido muitos da magnitude do seu feito.

Porém, sob o manto de força que o líder do Chega enverga, esconde-se um partido débil, como é débil, em geral, o populismo, pois esgota-se nas palavras de ordem, como atestam os exemplos de Salvini, Trump e Bolsonaro, cujo exercício se revelou controverso e malsucedido. Também o Chega não parece preparado para governar.

Sem pessoal político qualificado e sem um programa consistente – recorde-se o caricato e revelador episódio da retirada do programa da página de internet do partido após a divulgação das propostas relativas ao SNS –, o partido nada de substancial tem para propor. Face a tais fraquezas de monta, desnecessário se torna o coro de indignação, de denúncia, de lábios pintados de vermelho Valentino para o combater. Basta obrigá-lo a fazer a prova dos nove da governação, interpelando-o sobre a substância dos assuntos de Estado para que se evidenciem as suas contradições e insuficiências.

Menos necessário ainda, e até de legitimidade duvidosa, se revela a tentativa da sua ilegalização, não apenas porque as hipóteses de ocorrer são escassas mas também, e sobretudo, porque a luta política se faz esgrimindo argumentos, não silenciando adversários. Tal iniciativa peca também por se mostrar contraproducente, pois acrescenta uma conta ao rosário da vitimização que Ventura desfia todos os dias, queixando-se das perseguições do “sistema”.

De igual modo, é equívoco estigmatizar os eleitores do Chega, apodando-os de energúmenos e reaccionários. Se é certo que os haverá, a generalização é absurda e impede o necessário exercício de compreensão dos motivos que levaram um bom punhado de portugueses a deixar-se encantar pelo canto de sereia de Ventura, condição necessária para resgatá-los para o consenso constitucional.

Para tal tarefa, impõe-se que a direita moderada arrume a sua casa e não se perca em guerrilhas estéreis, recupere os votos desviados para o Chega e resgate para o debate político, sob premissas democráticas e no respeito pelos valores constitucionais, que são os seus, alguns dos temas de que Ventura se apropriou. Impõe-se também que a esquerda não estigmatize com o desgastado apodo de “fascista”, a abordagem de tais temas, refutando liminarmente o seu debate.

O Chega é um epifenómeno na política portuguesa, como o tempo se encarregará de demonstrar. Cairá como caiu Trump e como Bolsonaro acabará por cair também, por indecente e má figura. Naturalmente, há que acompanhar com atenção o seu percurso, não tanto pela duração que terá, mas pelos danos que poderá causar enquanto dure.

Sem demasiado alarmismo, porém, até porque o alarmismo só o favorece.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.