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Emília Vieira: “Sem poupança nunca somos donos do nosso destino”

Emília Vieira considera que a baixa taxa de poupança prende-se com a incapacidade de esperar por retornos maiores no longo-prazo. Mas a educação pode inverter a situação, garante a CEO da Casa de Investimentos, ao Jornal Económico.
21 Dezembro 2019, 20h00

A falta de poupança de hoje condena o nosso bem-estar financeiro no futuro, disse a CEO da Casa de Investimentos, Emília Vieira, numa entrevista por escrito ao Jornal Económico. A gestora aborda os problemas que a baixa taxa de poupança atual que se regista em Portugal acarreta para as famílias e para a economia. “Poupar não tem de ser complexo”, frisou a CEO da Casa de Investimentos, que privilegia o investimento em ações, numa lógica de (muito) longo-prazo, tendo em conta o valor intríseco das empresas.

Emília Vieira defende que é crucial alterar os hábitos de poupança em Portugal e dá a receita: a educação. “Os hábitos de poupança devem ser incutidos em idades precoces, realçando a vantagem de não usarmos no imediato todos os recursos à nossa disposição, mantendo a liberdade para tomarmos decisões no futuro”, explicou.

O que explica a baixa taxa de poupança em Portugal?
“Poupar é o custo de oportunidade de um futuro mais próspero”. Esta frase, da autoria de Ana Tostão e que foi uma das vencedoras do passatempo “Poupar é …” que desenvolvemos recentemente com o Jornal Económico, ajuda a responder a essa pergunta. Na decisão de poupar, há efetivamente uma escolha a fazer entre o “eu presente” e o “futuro eu”. Quando poupamos, estamos a privilegiar o segundo a expensas do primeiro. Acontece que a nossa psicologia de humanos nos leva a sobrevalorizar os benefícios fruíveis no agora. Como se isto não bastasse, vivemos tempos que só reforçam a inclinação para o imediatismo. Se já não aceitamos bem esperar quinze minutos por um transporte urbano, como teremos paciência para aguardar anos pela materialização de uma promessa de vantagens? Por último, o contexto dos últimos anos de taxas de remuneração muito baixas nas aplicações que os portugueses ainda privilegiam, também não tem constituído motivação para a poupança.

Trata-se de problema que afeta todas as gerações de forma transversal?
Os estudos disponíveis não são muito esclarecedores relativamente a como se distribui, em Portugal, a poupança entre as diferentes gerações e é prudente termos algumas reservas relativamente a generalizações. Contudo, há indícios de diferenças relativamente à forma como, em termos agregados, os indivíduos de diferentes gerações se relacionam com o dinheiro, com os segmentos da população com mais de 34 anos a terem mais apego à propriedade e à detenção de bens e os segmentos mais recentes a conviverem muito naturalmente com o “as a service”, o aluguer circunstancial de produtos que não detêm. Dentro destes, a geração Y (também conhecida por “millennials” e hoje com idades entre os 18 e os 34 anos) parece revelar particular propensão para canalizar os rendimentos para a miríade de contribuições e subscrições que lhe dão prazer, propósito ou sentido de pertença no imediato, enquanto a geração seguinte (Z) dá, curiosamente, alguns sinais de maior apetência para a formação de poupança.

Como aumentar a taxa de poupança das famílias?
Excetuando os casos de famílias que não tenham acesso a rendimentos que permitam um nível de vida digno ou enfrentem despesas de dimensão material que escapem ao seu controlo, poupar não tem nada de complexo. O problema é que, embora simples, isto é difícil de executar, pois contraria a natureza humana, ao exigir a capacidade de conter os impulsos do agora em prol de um bem mais distante no futuro. Os hábitos de poupança devem ser incutidos em idades precoces, realçando a vantagem de não usarmos no imediato todos os recursos à nossa disposição, mantendo a liberdade para tomarmos decisões no futuro. É importante evidenciar a flexibilidade que nos permite e que nos torna mais livres, mais donos do nosso futuro. Tão simples como podermos fazer escolhas e cumprir sonhos que vamos construindo ao longo da vida.

A literacia financeira poderia contribuir para o aumento da poupança…

Acredito sinceramente que a educação é o grande motor de transformação de uma sociedade. Na minha carreira de 30 anos a trabalhar em educação e mercados financeiros, tenho visto pessoas com rendimentos modestos acumularem valores substanciais de riqueza. A acumulação de riqueza depende muito mais do que poupamos e da disciplina com que o fazemos ao longo da vida do que de quanto ganhamos. Poupar todos os dias tem um impacto enorme a longo prazo.

Mas porque é importante para a economia e para as famílias aumentar a taxa de poupança?
Para as famílias, a poupança é uma condição necessária ao investimento o qual, se for oportuno e bem realizado, conduz à conquista e à preservação da independência financeira. Sem esta, nunca seremos verdadeiramente livres, nem donos do nosso destino, em qualquer das diferentes dimensões da nossa vida – familiar, profissional e social. Já quanto à economia, a poupança é o garante dos meios que permitem reduzir o endividamento e realizar investimentos potenciadores da sua capacidade competitiva. Se não reduzir o seu endividamento, uma economia fica refém dos credores e dos humores dos mercados financeiros; se não investir, deixa de crescer, momento em que, como acontece com os organismos, começa a definhar.

Em que ativos recomenda investir com vista a aumentar a poupança dos portugueses no longo-prazo?
A sua pergunta está muito bem colocada porque esclarece o horizonte temporal de investimento. A mais de cinco anos, desejavelmente a mais de dez, se possível para sempre, e sob uma estratégia orientada ao valor intrínseco dos negócios subjacentes aos títulos, não vacilamos em recomendar as ações – a classe de ativos que melhor tem remunerado os investidores. Realço que investir em ações de boas empresas mundiais é ter direito aos lucros que estas empresas ganham. Por isso, para proteger os valores que investimos procuramos comprar ações de empresas sólidas a preços baratos. Esta é a receita para ter os valores aplicados de forma segura e com melhor rentabilidade. A Casa de Investimentos fez recentemente nove anos. A rentabilidade acumulada é de 123,84%. Isto significa 9,37% ao ano, em média.

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