Enquanto assenta a poeira sobre o Orçamento do Estado para 2020 e se preparam as batalhas para a sua discussão no princípio do próximo ano, descobrem-se mais as pequenas questões do que as grandes estratégias que vão marcar as nossas finanças públicas e pessoais. Documento dececionante e desinspirado para quem acabou de ganhar eleições e tomar posse. Sem rasgo ou ambição, sem horizonte ou alvo.

Surpreendente, para além do expectável jogo no tabuleiro das esquerdas entre o PS e os seus parceiros BE e PCP, a aparente perda de influência do ministro das Finanças que se mostra cansado e impaciente, farto de contemporizar com a necessidade de negociar com colegas de Governo e com os partidos que viabilizam este documento. O espírito de fim de linha ficou claro na recente entrevista de Mário Centeno ao “Expresso”, na qual praticamente assume que o seu futuro já não passa pelo Terreiro do Paço.

Centeno conseguiu ao longo de vários anos fazer a quadratura do círculo. Apresentar e defender orçamentos sucessivos plenos de austeridade, fazê-los aprovar pela esquerda e controlar com autoritarismo serviços, departamentos e até colegas do Governo, em nome do cumprimento das regras que o PS não defendia publicamente, mas que António Costa sabia ter de acatar.

Com uma estratégia ziguezagueante, foi-se aumentando a carga fiscal, devastando a classe média, pressionando as empresas sem aliviar os seus custos, nem minorar os seus procedimentos. Tal é visível no aumento das receitas dos impostos diretos e indiretos, sendo que nestes, sob a capa de políticas públicas específicas, se foi carregando em sucessivos e repetitivos aumentos sobre tabaco, combustíveis e automóveis.

Este Orçamento segue o mesmo percurso embrulhado de aumento de impostos indiretos, peso sobre quem trabalha, falta de ambição na busca de novos caminhos para a economia, renovado anúncio de investimento face à degradação de serviços e de equipamentos, da saúde ao ambiente, dos funcionários aos transportes, culminando no desaparecimento total da aposta na educação.

Olhando para a proposta de Orçamento, não se vislumbra onde aposta o Governo. Com a exceção da exaltação do momento histórico de alcançar resultados positivos, fugindo ao défice pela primeira vez em democracia, e o constante aceno e apelo à esquerda, o Executivo quer pescar votos onde for possível, a troco de miudezas institucionais e cedências em áreas que deveriam fazer parte da sua governação consciente, reforçando a falta de sentido de estado e de perspetiva estrutural de futuro.

O Orçamento representa um virar de página, mas com um sentimento de fim de festa. O ministro das Finanças cinzento, o primeiro-ministro sem norte e um país sem sorte. Tirando os soundbytes do poder, não vislumbramos objetivos claros. Quando tal seria o esperado de um governo novo perante um Parlamento novo, aquele demonstra que envelheceu repentinamente com soluções estafadas, repetitivas, sem alma e sem chama.

A oposição tem uma oportunidade única de mostrar publicamente a falta de entusiasmo que este Governo evidencia. E pode aproveitar para lançar avisos sérios de como nos conduz para becos sem saída, apenas com um percurso de sobrevivência e de cinzentismo, que deixam um tremendo vazio. Fica o sabor amargo e sem cor deste Orçamento. No momento do ano mais relevante para um ministro das Finanças, fica a imagem pálida de Centeno cansado, que deseja que o primeiro-ministro lhe conceda a carta de alforria. Se possível antes da presidência portuguesa da União Europeia em princípios de 2021 ou, pelo menos, logo a seguir.