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Microcrédito: de onde vens tu e para que serves?

Artigo escrito por Joana Robalo (Mestre em Business Administration pelo ISCTE) Invariavelmente, quando se ouve falar em microcrédito, a imagem que surge na mente da maioria das pessoas é um conceito associado à pobreza e ao crédito para os mais desfavorecidos. Mas será esta ideia adequada à realidade em que vivemos actualmente? Desde a sua origem […]
hand full of money and holding a green plant
15 Janeiro 2016, 11h55

Artigo escrito por Joana Robalo (Mestre em Business Administration pelo ISCTE)

Invariavelmente, quando se ouve falar em microcrédito, a imagem que surge na mente da maioria das pessoas é um conceito associado à pobreza e ao crédito para os mais desfavorecidos. Mas será esta ideia adequada à realidade em que vivemos actualmente? Desde a sua origem no Bangladesh até aos dias de hoje, o microcrédito tem sofrido várias evoluções e os seus impactos começam a fazer-se sentir ao longo de toda a Europa. Qual é o perfil do microempreendor em Portugal e quais são os tipos de negócios criados actualmente? Será que a ideia de pobreza associada ao microcrédito ainda tem fundamento ou trata-se apenas um preconceito?

Para o CGAP (Consultative Group to Assist the Poor), microcrédito é a “provisão de serviços básicos financeiros para as pessoas pobres (de baixo rendimento), que tradicionalmente têm falta de acesso a serviços bancários”. Para a Comissão Europeia, o conceito de microcrédito afasta-se da ideia de pobreza e é definido como um “empréstimo até 25.000 euros dados para apoiar o desenvolvimento de auto-emprego e micro-empresas que têm impactos a nível económico e social”. A nível económico, pretende criar actividades que geram rendimentos, criar emprego e desenvolver micro-empresas e as regiões, e a um nível social pretende reduzir a exclusão social e promover a inclusão financeira dos indivíduos.

A primeira experiência documentada relacionada com microcrédito recua a 1846, quando, no Sul da Alemanha, os camponeses locais ficaram presos a agiotas depois de um Inverno rigoroso. Como solução, o mayor criou a Associação do Pão, onde dava farinha aos camponeses para que estes pudessem produzir pão e pagar as suas dívidas com os rendimentos obtidos através das vendas. Desde então, muitas outras acções isoladas de microcrédito foram feitas por toda a parte, mas o passo inicial para o desenvolvimento e difusão do microcrédito foi dado por Muhammad Yunnus em 1976. Yunnus começou por emprestar o seu próprio dinheiro a pessoas que queriam desenvolver actividades produtivas, e após inúmeros casos de sucesso, fundou em 1983 a primeira instituição de Microcrédito – o Banco Grameen.

O seu trabalho levou-o a ganhar o Prémio Nobel da Paz em 2006. Com o sucesso no Bangladesh, o microcrédito expandiu-se rapidamente para outras partes do mundo, especialmente para países em vias de desenvolvimento. Embora existisse a ideia de que a sua prática estaria limitada a países em desenvolvimento, o microcrédito tem-se estendido para muitas outras regiões, nomeadamente na União Europeia.

O microcrédito como instrumento de inclusão social e de apoio à criação de emprego foi introduzido em Portugal pela Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) em 1999. Para tal, uma parceria entre três entidades de três sectores diferentes foi estabelecida: ANDC, do sector da economia social, Millennium-BCP, do sector privado, e finalmente o Instituto Superior de Formação Profissional (IEFP), do sector público.

Até 2005, o Millennium-BCP tinha uma parceria exclusiva com a ANDC, mas desde então o leque da Associação tornou-se mais extenso e actualmente engloba outros bancos, nomeadamente a Caixa Geral de Depósitos (CGD). O Montepio e o BPI são outros bancos que também providenciam serviços de microcrédito. A Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) é outra entidade na área, e, juntamente com o IEFP, a CASES é responsável pelo Plano Nacional de Microcrédito, que consiste numa linha de crédito subsidiada no âmbito do Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego, que pretende apoiar a criação de pequenas e médias empresas.

Os projectos inseridos no Plano Nacional de Microcrédito beneficiam de um apoio técnico desde o momento da sua criação até à sua consolidação, durante os primeiros dois anos. As actividades de apoio técnico consistem no acompanhamento dos projectos aprovados, formação e consultoria na viabilização e gestão do projecto. Estas actividades são da responsabilidade das entidades representantes do sector da economia social que trabalham com a CASES, por entidades não-governamentais do sector privado ou ainda autoridades locais acreditadas pelo IEFP.

Mas qual é afinal o perfil actual do microempreendedor e quais são os tipos de negócio criados?

Se, de facto, na sua criação o objectivo do microcrédito era retirar as pessoas do limiar da pobreza, hoje em dia em países industrializados o principal foco é encorajar o auto-emprego e o empreendedorismo.

Em toda a Europa, e especificamente em Portugal, o microcrédito tem vindo a evoluir e a ganhar um impacto crescente. Enquanto antigamente a maioria dos aplicantes eram indivíduos com baixo nível de escolaridade e em situações de desemprego involuntário, hoje em dia o número de microempreendedores licenciados está a aumentar a um ritmo rápido. A faixa etária dos participantes está também a mudar, existindo cada vez empreendedores mais jovens.

Relativamente ao tipo de negócios criados, grande parte é em áreas tradicionais, nomeadamente em retalho e no sector da hospitalidade. Apesar de, em geral, consistirem em actividades sem grandes características tecnológicas, existe uma preocupação crescente em adicionar atributos diferenciadores e de valor acrescentado.

Assim, e apesar do microcrédito ser relativamente recente na Europa, este é um sector promissor que pode de facto originar negócios empreendedores e também desempenhar um papel na criação de emprego e na diminuição da exclusão social, não existindo actualmente razões para ser associado ao “crédito para os pobres”.

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