Com o “Concerto de Lua Nova” o artista apresenta um novo reportório e acompanhamento. Neste espetáculo de sons lusófonos, o cantor dá a conhecer outra faceta mais espiritual e sóbria.
Fernando Pereira acredita que tudo é energia e que “temos de ser como o colibri que, no meio do incêndio na floresta, traz água com o seu pequeno bico para apagar o fogo – de fazer a nossa parte” para melhorar o que nos rodeia. Reconhece que tem a sorte e o privilégio de fazer o que gosta, divertindo as pessoas. Há 33 anos. E agora apresenta-se em palco com um novo formato, mais intimista, diferente dos espetáculos a que habituou o público. Em o “Concerto de Lua Nova”, o artista – acompanhado por um grupo de instrumentistas em que se inclui o guitarrista clássico Silvestre Fonseca como convidado especial e parceiro criativo – percorre, durante cerca de hora e meia, temas e canções de algumas das maiores vozes e poetas da lusofonia.
O espetáculo “foi traçado para funcionar em teatros, auditórios e espaços onde as pessoas possam estar confortavelmente sentadas e a relação é muito mais próxima”, explica Fernando Pereira. A abordagem “é completamente diferente, até pelo equipamento, luzes… São só instrumentos acústicos: piano de cauda, violino, violoncelo, contrabaixo acústico, guitarra clássica, percussão. Todo o ambiente é pura madeira, o puro som dos instrumentos, da voz. Não há efeitos especiais nem tecnológicos”, elucida e adianta que é um concerto que “se pode fazer sem microfone, no salão de visitas de uma residência, por exemplo, num palacete ou numa igreja. Todo ele foi concebido para ser a minha verdade enquanto ser humano, artista, e ator deste processo que é a vida. É a música pura, voz pura, poesia pura, e é a nossa língua, a nossa identidade”.
Mantendo em simultâneo a produção “Lord of the Voices” (que esteve durante cerca de nove meses no Salão Preto e Prata do Casino Estoril e que ainda no último sábado, 27 de junho, apresentou em Guimarães, estando, durante este mês e agosto, em várias festas pelo país), Fernando Pereira acrescenta que este novo espetáculo não representa uma mudança enquanto artista, “é apenas mais uma faceta minha. O meu lado de entertainer, as proezas que faço com a voz e a boa-disposição, nada disso mudou. Há mais uma estética, uma forma de estar pela qual as pessoas podem optar, em espaços” distintos. São “dois espetáculos diferentes, com a marca Fernando Pereira”, que não se fica por aqui e promete “mais uma novidade” a curto prazo.
Como surgiu este projeto?
O formato é uma ideia que já tinha desde 2009/2010, de criar um espetáculo diferente do meu registo habitual, de as pessoas conhecerem um meu outro lado, mas íntimo, mais filosófico, espiritual. Quando, em 2013, estive em Roma com o Papa Francisco, isso deixou-me a pensar e, ao regressar a Portugal, achei que era altura de avançar. Ainda não tinha o fio condutor. A questão das fases da lua surgiu como a peça que faltava para dar um contexto e sequência lógica.
Daí o nome “Concerto de Lua Nova”.
Sim. Significa renovação. As fases da lua representam o nosso crescimento, ao longo do mês e da vida – é algo que as mulheres conhecem bem, os médicos, os agricultores, os surfistas… A lua nova é o momento mais fértil da humanidade, do seu lado criativo e espiritual. É a altura em que sentimos apetência para mudar, renovar. Em muitas culturas milenares, como a chinesa, o novo ano inicia-se na primeira lua de janeiro, está relacionado com a natureza.
Em que consiste o espetáculo?
Estamos em palco a cantar, a falar de poesia, do amor, do mundo, das pessoas, dos afetos, do que nos afeta, sem que se torne maçador ou aborrecido. O concerto no Centro Cultural de Belém [a 20 de junho] foi uma experiência única – eu, que já fiz perto de 4 mil espetáculos, não me lembro de ter sido ovacionado quatro vezes, com o público em pé. O facto de expor um lado de mim tão oculto, tão pessoal, e o impacto que teve nas pessoas, é impressionante.
O concerto está associado às celebrações dos 800 anos da língua portuguesa. Como se proporcionou?
A cantora Ana Laíns, embaixadora das Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa, convidou-me para integrar as celebrações. No âmbito de dar primazia ao que é nosso, à língua portuguesa, que a associação promove, fez todo o sentido. No nosso espetáculo, temos desde Eugénio de Andrade a Camões, Fernando Pessoa, Ary dos Santos, José Régio, até Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Rui Mingas, Oswaldo Montenegro. Pelo que tem a cara das comemorações. Aconteceu de forma natural.
Estando habituado a imitar tantas vozes, foi difícil encontrar a sua voz para este espetáculo?
Antes de tudo, a minha voz está lá, sou um cantor, e a minha voz é a matéria-prima a partir da qual crio a ilusão – porque sou um ilusionista vocal, de que as pessoas estão a ouvir Michael Jackson ou outro artista. E isto é o espetáculo – não se trata de imitar, mas de criar a ilusão de que se está a ouvir várias vozes diferentes. A minha voz surge quando canto com a alma em vez do cérebro. É tão simples quanto isso. Se não tenho de pensar no som que vou emitir e canto com a alma, o coração, com tudo o que sou eu, essa é a minha voz. Para as outras todas, tenho de ir ao meu arquivo de memória buscar a sonoridade. O sucesso, ao longo destes anos, é haver uma relação muito especial entre a minha memória auditiva, que é fortíssima, e o aparelho vocal.
As Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa terminam dia 4 de julho, mas o espetáculo continua?
Sim, amanhã, dia 3, estamos no Fórum da Maia, a 4 no Casino da Póvoa. A 15 de julho em Leiria, com um concerto solidário para a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral Local. A 22 de agosto estaremos no Casino da Figueira da Foz. Por ser mais sóbrio, este é um espetáculo que está disponível para eventos empresariais. Mas também é romântico, com boa energia. Vai buscar muito da nossa memória, com António Gedeão, alguns temas de Zeca Afonso; tem também música popular do Alentejo, que tem que ver com
as minhas raízes. Tem fado, onde surgem as imitações, mas de forma contextualizada, em tributo a Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Francisco José, Tristão da Silva, Tony de Matos – vozes emblemáticas do fado. Também há uma rapsódia onde surgem Paulo de Carvalho, Rui Mingas, Cesária Évora, Chico Buarque, Maria Bethânia – momentos em que a imitação das vozes surge contextualizada e integrada no espetáculo, não se pretendendo nada caricatural, pelo contrário, é uma forma de lhes prestar homenagem. É um espetáculo
que fica em carteira, para quando uma empresa quiser, ter uma opção entre o Fernando Pereira entertainer e este mais sóbrio, com um peso cultural e estética diferentes. Pode ser feito à medida para eventos.
De momento não estão agendados concertos fora do país?
Não, mas é um espetáculo que tem, à partida, uma vocação lusófona. Poderá estar em Angola, ir ao Brasil, Moçambique… há ainda
a diáspora portuguesa.
Está previsto fazer um CD/DVD a partir de um destes concertos?
Fizemos uma gravação em áudio e vídeo, mas para nosso registo. Se o material gravado for bom e existirem condições, será feito. Mas não é uma urgência. É interessante se acontecer mas não é uma necessidade.
O seu último trabalho discográfico é de 2010, para quando um novo?
É muito possível que saia um ainda este ano/início do próximo, com a combinação dos dois lados, o do coração e o cerebral – os amores e os humores, que faça uma viagem entre o lado mais íntimo e o mais extrovertido. Mas depende de muitos fatores.
Como se define: cantor, performer, entertainer… tudo junto?
Como um cidadão que tenta contribuir para um mundo melhor, seja a rir ou não. Como um cantor. Mas é difícil colocar rótulos, porque sou um pouco fora da caixa – de momento não há mais ninguém a fazer o mesmo que eu. Sou um artista, o que engloba muita coisa!
Armanda Alexandre
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