Pouco tempo antes do chumbo da Caixa Geral de Depósitos SA (CGD) nos testes de stress do BCE, a Direção Geral de Concorrência (DGCOM), e o Governo português chegaram a um acordo inédito: a não-qualificação do investimento contemplado no Plano Industrial da CGD como auxílio de Estado. Nos termos de tal acordo, a DGCOM estabeleceu como máximo de capitalização o montante de 2.700 milhões de euros cujo valor efectivo ainda será determinado em função de uma avaliação independente à carteira de activos de crédito, valores mobiliários e carteira de imóveis da Instituição. Portanto, uma difícil batalha que foi ultrapassada pelo Ministério das Finanças, assegurando, como se pretendia, a recapitalização com neutralidade no défice. Quanto ao impacto da dívida nada poderia ser feito: a injecção de dinheiros públicos implica aumento de endividamento.
Deste acordo resulta ainda a necessidade de emissão de mil milhões de euros de dívida subordinada, mas perpétua, portanto de maturidade ilimitada e não convertível em acções. Apesar do desafio que encerra esta exigência de atracção de capital privado, nos termos referidos, a configuração optada sublinha a recusa do Governo português na entrada de capital do sector privado na gestão do banco. Com este acordo, que a nova administração tem em mãos, será possível cumprir três objectivos: assegurar os rácios de capital, ter em conta as perdas por provisões e imparidades e, não menos importante, reestruturar o banco. A relevância deste caminho é indiscutível para a nossa economia, mais não seja porque a CGD poderá ser, dentro de pouco tempo, a única instituição financeira com capitais portugueses.
Há duas conclusões que podemos retirar desta solução. Em primeiro lugar, cai por terra a ideia de que a poderosíssima DGCOM é irredutível e cuja negociação é inconsequente. Fica claro que vale a pena tentar e urge perguntar porque não se ensaiou antes um caminho com estas premissas. Em segundo lugar, esta solução contrasta com a capitalização de 1.650 milhões em 2012. Desde logo porque 750 milhões de euros foram considerados ajudas de Estado, exigindo um plano de reestruturação e afectando o défice; além disso, a restante capitalização, de 900 milhões de euros, foi efectuada em instrumentos contingentes (CoCos), com custo anual de 80 milhões para a instituição que, paradoxalmente, contribuía para a sua própria descapitalização. O falhanço do reembolso destes CoCos abria a porta para a sua conversão em acções e consequente privatização.
Estamos, por isso, perante duas visões distintas sobre o futuro do principal banco português. A primeira grande ideia de Passos Coelho sobre a CGD foi privatizá-la e, quando teve a necessidade de intervir neste banco, sub-capitalizou-o e abriu a porta à entrada de capital privado. Perante um inesperado desvio de 1.900 milhões de euros de juros face ao plano de reestruturação de 2012, o actual governo português desenhou uma solução para capitalizar o banco com dinheiro público, em acordo com Bruxelas e na dimensão adequada para financiar a economia e servir de almofada ao risco soberano.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.