Para os que acreditam que a supremacia absoluta de tudo o que é digital destrói valor social e económico, o lançamento de um projeto jornalístico que inclui uma edição em papel é uma boa notícia. A transformação digital do mundo é um fenómeno imparável, porque cria a perceção de uma melhoria instantânea da qualidade de vida na generalidade das pessoas que conseguem aceder a estas novas tecnologias. Mas também cria perdedores imediatos, particularmente nos países sem uma economia plenamente funcional e solvente, pela destruição de empregos no mundo físico que não têm uma contrapartida equivalente no mundo digital.
Na fase de transição digital em que nos encontramos, os projetos híbridos, com uma componente física e outra virtual, acomodam-se melhor às exigências de um público heterogéneo. Curiosamente, e num plano mais pessoal, as minhas apostas profissionais e empresariais, que conjugam uma dedicação histórica aos negócios digitais com um recente e significativo investimento numa indústria tão tradicional como a produção e transformação de papel, são coincidentes com esta estratégia jornalística. Trata-se de apostar, sobretudo, na digitalização da economia física, através da evolução dos modelos da economia tradicional. Este é também o caminho que marcas como a Amazon, um dos promotores mais destacados da disrupção digital, está atualmente a seguir com uma aposta complementar nas livrarias físicas.
O sucesso da transição digital, medido em bem-estar da sociedade, dependerá da progressividade da sua implantação e da sua capacidade de transformação dos agentes atuais da economia real, porque as empresas tradicionais repartem a riqueza de forma muito mais horizontal que as empresas nativas digitais. Por exemplo, um jornal físico, versus um jornal exclusivamente digital, cria postos de trabalho associados às funções de produção (papel e impressão), logísticas (armazenamento e transporte), distribuição (retalho e entrega) e reciclagem (recolha e recuperação).
O lançamento de um projeto jornalístico como este demonstra que não está tudo perdido na economia física; mas lembra-nos também que a imprensa histórica continua com a sua tradicional má saúde de ferro, que lhe permitiu sobreviver, primeiro, à rádio e à televisão e parece que, agora, também à Internet.
Do meu lado, vou saborear este formato de ‘slow media’ como quem desfruta de ‘slow food’. Porque a verdade é que, no mundo exclusivamente digital, não se come bom presunto.