Em dez anos, a abstenção nas eleições legislativas portuguesas aumentou cerca de 1/4, tendo atingido em 2015 o seu valor mais elevado de sempre. Perante esta realidade, o mais fácil é culpar os portugueses apelidando-os de “aqueles preguiçosos que não se dignam a ir às urnas“. Já o mais árduo é reflectir sobre o problema.

Analisando os dados mais recentes do Eurobarómetro relativos à “Satisfação com a Democracia“, conclui-se que, numa escala de 1, “nada satisfeito“, a 4, “muito satisfeito“, Portugal possui um valor de 2,3 – o que equivale a um “não muito satisfeito“. Infelizmente, não nos enquadramos no conjunto das nações satisfeitas, onde se encontram nos primeiros lugares Luxemburgo (3,1), Holanda (2,9) e Finlândia (2,8).

Uma das particularidades da democracia luxemburguesa é possuir como modalidade de sufrágio a “lista aberta”, ou “Panachage“. Isto quer dizer que, no Acto Eleitoral, o cidadão pode escolher os candidatos que prefere em mais do que uma lista partidária. Já nos casos da Holanda, Finlândia e da quase totalidade dos satisfeitos, domina a “lista fechada não bloqueada”, o que significa que apesar do eleitor só poder votar numa lista, tem a liberdade de seleccionar no boletim os candidatos que aprecia.

Em Portugal vigora a “lista fechada e bloqueada”, o mesmo é dizer que só se pode votar numa lista, não existindo margem para manifestar preferências por candidatos. A liberdade de escolha do eleitor é assim extremamente reduzida, ao passo que a dos partidos é significativamente elevada (nota: para consulta às modalidades vigentes na zona euro, veja-se Freire, André, “Sistemas eleitorais e reformas políticas: Portugal em perspetiva comparada”).

No contexto da zona euro, o nosso País é mesmo dos poucos em que a modalidade de sufrágio é tão restritiva. Tal tem conduzido a que, no Acto Eleitoral, as preferências sejam expressas de forma quase clubística, ao invés de incidirem no mérito das personalidades que vão a votos. Talvez as pessoas estejam a ficar cansadas disto…

Um aumento da democratização em Portugal, por via de uma maior liberdade ao nível do voto, previsivelmente traria alguns custos administrativos, uma vez que os votantes teriam de analisar o percurso e as ideias de cada um dos candidatos do seu distrito. Porém, os benefícios seriam superiores, dado que para além de colocar os partidos políticos a rivalizarem entre si para atraírem os melhores para as suas listas, haveria também uma maior transparência no processo eleitoral, decorrente, precisamente, de uma análise prévia aos perfis dos candidatos.

A necessidade de uma maior abertura na modalidade de sufrágio torna-se ainda mais óbvia se tivermos em conta o desfecho das últimas eleições legislativas. Se o que conta é o número de deputados, e não a força política vencedora, então não há motivo para que os eleitores não possam escolher directamente cada um dos eleitos.

Uma coisa é certa, a abstenção está hoje num patamar elevado, ao passo que a satisfação com o nosso regime parece ser baixa – o que deveria fazer soar campainhas. Antes que seja tarde, os partidos devem por isso estar disponíveis para procederem, se necessário, a alterações constitucionais que visem tornar os portugueses peças fulcrais na máquina democrática. Perderá a abstenção, mas ganhará certamente o País!

O autor escreve segundo a antiga ortografia.