A discussão em torno do Orçamento de Estado e da estratégia do Executivo tem sido o debate em torno do enquadramento fiscal para o setor imobiliário. Aliás, parece que este setor é o maior foco das atenções públicas pois não se afigura uma troca de ideias em torno de outras prioridades, aparentemente inexistentes. A questão que se coloca é se o atual vazio no debate público se deve a uma ausência de estratégia ou uma crença sebastianista que o imobiliário nacional poderá salvar a economia.
Antes de mais, deve realçar-se a total falta de definição do futuro imposto. Rapidamente foram sendo comunicados, de forma aparentemente remediadora, vários aditamentos definidores. Permanecem, no entanto, muitas dúvidas, como, por exemplo, a dúvida basilar de como se apura o “património imobiliário global detido” que será sujeito ao novo imposto.
Igualmente notável tem sido a carga ideológica que se tem dado a este debate, apesar do atual principal partido da oposição também já ter visado um imposto semelhante quando foi governo. Todavia, apesar das parecenças destas duas medidas, o contexto e o conteúdo divergem: o imposto para o património de luxo era mais ineficaz e menos justo do que o atual imposto – quem tinha dez imóveis, todos com um valor abaixo de um milhão de euros, não seria abrangido, enquanto o dono de uma casa com o valor acima desse limite, veria um imposto de luxo imobiliário.
O contexto do atual imposto é desadequado e inoportuno. É preciso não esquecer que o anúncio do imposto sobre o património de luxo foi feito um ano após a assinatura do memorando da troika. O atual imposto foi anunciado no ano da devolução da sobretaxa; são cerca de 400 milhões de euros, contra os 60 milhões de Euros que serão arrecadados pelo novo imposto. Não se antevê tão-pouco um efeito distributivo, pois serão os rendimentos maiores os que mais irão beneficiar com esta devolução. Importa ainda referir que o IMI tem sido atualizado desde 2012 e revisto várias vezes ao longo dos últimos anos: os proprietários viram o valor do IMI aumentar entre 1.000% e 8.000%.
Será que a oposição a este novo imposto (mais um) se deve à população que será abrangida pelo mesmo? Os 1%? Apesar da carga ideológica que alguns pretendem dar ao debate, não se trata de proteger uma classe social, a mesma que vai sair mais beneficiada com o OE 2017; trata-se de contextualizar este imposto e de analisar o seu potencial impacto. Saber se foi feito um estudo sobre o seu impacto nas rendas – seguramente o IMI aumentado irá ser refletido nas rendas que, por sua vez, já se consideram muito altas –, no alojamento local e a consequente capacidade de alojar o crescente e inédito fluxo de turistas, ou ainda na reabilitação urbana, que tem sido uma força regeneradora dos centros urbanos, antes muito degradados.
Convinha debater, por exemplo, o potencial regresso de uma situação em que se privilegia a criação de sociedades ‘off-shore’: aqui haveria o ‘trade off’ já implícito, com a tributação a incidir no IMI, sem possibilidade de tributar o rendimento.
O ex-ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, pediu para que não se mate a “galinha dos ovos de ouro”. Para além destes impactos, um problema de fundo é que este novo imposto irá incidir precisamente sobre o setor que mais investimento tem gerado, nomeadamente IDE. E, não menos grave, estas alterações sucessivas e pouco esclarecidas do contexto fiscal transmitem uma falta de estratégia do Executivo, bem como a facilidade que este tem em atribuir um ónus fiscal ao setor económico com melhor desempenho. Normalmente, tais estratégias (centradas) falham.