Volvida mais uma semana, gasta entre o rescaldo da entrevista ao juiz sem amigos, a homenagem prestada ao que parece ser o destinatário dos recados dados na dita entrevista e a infâmia cometida por um senhor que se disse um dia jornalista, passou despercebido um anúncio feito pelo BE de que iria apresentar uma proposta de lei sobre o assédio moral.
O assédio, objecto de previsão específica entre nós apenas desde 2003, define-se como um conjunto encadeado de factos, homogéneos ou heterogéneos, que visa tornar o ambiente de trabalho degradante ou hostil. Por regra, o objectivo é que seja a vítima a sair da empresa, desistindo assim ou do seu posto de trabalho ou da compensação. Contudo e como parece ter sido o caso da France Telecom, em que 30 trabalhadores se suicidaram por força das condições de trabalho então impostas, é também usado como ferramenta de uma designada “gestão de recursos humanos” mais dura, isto é, de políticas que os tratam como um mero número, de preferência a reduzir, quando não mesmo a abater.
Numa entrevista dada em 2010, Christophe Dejours, conceituado psiquiatra, aludiu a um recrutamento em que foi dado a cada candidato um gatinho para cuidar e, no final do estágio, como forma de assegurar a lealdade daqueles, foi-lhes determinado que o matassem. Dos 15, 14 fizeram-no, o que não pode deixar de nos fazer pensar em que sociedade nos estamos a tornar.
A vítima de assédio é propositadamente isolada, em especial em épocas de crise, em que o medo de perder o posto de trabalho torna os demais cúmplices (ainda que, por vezes, por mera omissão). Por outro lado, tem no nosso país, sempre que não funde a sua queixa em discriminação, o ónus da prova a seu cargo, num processo previsivelmente longo e no qual, até há pouco, as indemnizações atribuídas não cobriam sequer os custos.
Quer dentro das empresas onde são alvos de processos de desqualificação – não apenas da sua capacidade de trabalho mas, muito mais relevante, da sua dimensão de pessoas –, quer depois nos tribunais, as vítimas de assédio têm sido, de facto, filhas de um deus menor, perdidas numa batalha que se vêem obrigadas a ganhar, nem tanto pelo dinheiro, como pela sua dignidade.
Esta iniciativa teve o mérito de agarrar o tema, impondo-se que o assédio moral se torne no que sempre deveria ter sido: uma questão de ordem pública, a ser objecto de tipificação criminal. E, deste modo, ajudar a que o sol nasça para todos, embora o caminho a percorrer ainda seja longo.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.