Há uns dias, quando António Guterres aceitou a nomeação para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, além do facto por si só e da sua singularidade, tê-lo feito em quatro línguas (segundo alguns de improviso) não me deixava parar de pensar o quão bom sinal isso era.
Um engenheiro, certamente bom em números, ainda que ninguém se esqueça de umas contas “de cabeça” meio confusas de há alguns anos, que além de inteligente (muita gente tem uma estranha ideia de que só a matemática prova inteligência) ainda tem aptidões de poliglota é algo de assinalar. Muitos direccionaram estas capacidades para características próprias, e eu só pensava, mas não haverá aqui um pouco de mérito do ensino no país? Se estou certa ou não, não sei, e é certo que António Guterres não pertence ou pertenceu a uma das franjas da população com difícil acesso ao mundo, mas, ainda assim, tal deixou-me intrigada.
A educação é um dos mais importantes pilares de uma sociedade que se quer desenvolvida. O nível educacional da população tem reflexos directos em aspectos tão díspares como as taxas de criminalidade ou o desempenho da economia. Cidadãos mais educados são também mais activos e mais exigentes, e isso nem sempre é do agrado de certos fazedores de políticas públicas. Não é pois de estranhar que o sucesso educativo de uma criança seja aquilo que diferencia o seu futuro, em geral, para o bem e para o mal.
Por isso mesmo, um Estado de Direito em democracia não pode abster-se de procurar caminhos que não limitem o desenvolvimento dos seus jovens a uma relação linear e negativa do ambiente socioeconómico com a educação. Mas, a igualdade educacional está ainda longe de o ser no nosso país. Muito mudou desde a Revolução dos Cravos a este nível, é um facto, e o país percorreu, correndo, um caminho que se queria mais rápido porque desde o início atrasado, mas falta ainda uma verdadeira democratização da educação.
Se olharmos para os últimos números disponíveis sobre a taxa de abandono escolar em Portugal, quando comparados com os restantes países da União Europeia (UE), verificamos estar acima da mesma. Entre 20%-25% para Portugal, e à volta dos 13% para o conjunto da UE. Falamos na educação pós-ensino básico, mas não nos ficamos por aí.
As diferenças regionais também não devem ser ignoradas. Taxas mais elevadas para a região Norte (aproximadamente 22%) e ainda mais marcantes para os jovens entre os 18 e 24 anos nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira (ultrapassando os 30 pontos percentuais). Relativamente à diferenciação por género, as diferenças também são superiores à média europeia e, por norma, acompanham a tendência – maiores para o sexo masculino.
Mas o que é que podemos ler sobre estes dados que não seja precipitado e pouco profundo num artigo de opinião? Pouco, há que reconhecer. Contudo, Portugal apresenta uma das taxas de distribuição de rendimentos mais desigual da UE (coeficiente de Gini) e tal não augura uma educação mais idêntica para um jovem de Almancil, Vila Verde, Barrancos ou Machico, e é aí, e por aí, que temos de estar atentos e mais activos. Se as diferenciações adentro do país não se mudam para melhor de um dia para o outro, e se o diagnóstico está feito há muito, o que é que nos falta para se cumprir uma melhoria da vida real dos nossos jovens?
Os recorrentes “velhos do Restelo” dirão que os jovens vão estudar para depois ter que emigrar, e esse é sim um grande problema a combater, mas além desse há que endereçar um problema de desigualdades efectivas. Não falo na ida à escola, que a mal ou a bem a maioria das crianças vai tendo acesso em território nacional, falo da exigência, condições e envolvente que as mesmas têm e que são muito diferentes. Como diria Eça, “a escola entre nós é uma grilheta do abecedário (…) as crianças, enfastiadas, repetem a lição, sem vontade, sem inteligência, sem estímulo” (in Uma Campanha Alegre). E se algumas coisas mudaram em mais de um século, e para bem, outras não mudaram assim tanto.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.