A Secretária de Estado da Educação, que havia ficado célebre ao enviar centenas de professores do ensino particular e cooperativo para as portas dos Centros de Emprego na sequência do tristíssimo episódio da revogação dos contratos de associação, decidiu agora fazer pontaria contra a Associação de Editores e Livreiros.

Sustenta que é um extraordinário “avanço civilizacional” oferecer os manuais escolares aos alunos do ensino básico. Que a Constituição, quando fala em ensino gratuito, deve ser interpretada como: “é tudo gratuito”. Que com tal avanço civilizacional “é difícil voltar para trás”. Que se trata de uma medida que “estranha-se e depois entranha-se”. Questionada se não seria melhor “um acordo político amplo” já que, pelos vistos, para além dos editores também as associações de pais andam assustadas, responde que “há medidas difíceis de reverter” e que a posição (do Governo) está legitimada politicamente e é “uma opção política”.

De permeio desqualifica a opinião do Prof. Gomes Canotilho (esse perigoso reaccionário) que, em parecer solicitado pela APEL, adverte que esta política de gratuitidade e reutilização transmitirá “uma mensagem de conformismo, acomodação e consideração do ensino básico como um empreendimento estático, ultrapassado, repetitivo, de baixo custo, recauchutado e empobrecido”.

As declarações da governante permitem perceber o clima de alucinação ideológica em que o Governo caiu. Por um lado, é toda uma filosofia da gratuitidade sem arrimo nem sentido, como se o país navegasse em excedentes orçamentais. Por outro, é a consideração típica dos “amanhãs que cantam”, de que o progresso civilizacional está ali ao virar da esquina e que a passeata rumo ao horizonte da felicidade (e da sociedade sem classes) é de sentido único. Tal como as nacionalizações que eram irrevogáveis, também a gratuitidade (com reutilização… ao que parece) dos livros escolares deve ser constitucionalizada e, como tal, garantida para as gerações vindouras.

Numa coisa a Secretária de Estado tem razão. Que as crianças, filhas de ricos ou pobres, se vejam a receber gratuitamente do Estado (e depois a devolver para posterior reutilização) os manuais escolares que o próprio Estado impõe é, na verdade, uma “opção política”. E como opção política, diz a governante, “só pode ser avaliada em eleições”.

Acontece que também o Governo da Venezuela, mantidas as óbvias distâncias, definiu como grande “opção política”, para fazer face à crise alimentar, a criação de “galinheiros verticais” nas varandas dos prédios e o cultivo de pepinos e tomates nos terraços, tendo, inclusive, criado um novo Ministério das Comunas e da Agricultura Urbana. Maduro não hesitará, aliás, em falar de “avanço civilizacional”. A diferença é que os “avanços civilizacionais” deste calibre, diz-nos a História, teimam em não ser avaliados em eleições.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.