Para quem acredita que estudar Ciências Sociais ou Humanas, em Portugal, é um desafio estranha, como eu, que estas duas áreas agregadas sejam as que apresentam um maior crescimento no número de doutoramentos, no país ou fora, mas reconhecidos em Portugal. O número de Doutores nestas áreas do saber aumentaram para quase o dobro entre os anos de 2011 e 2013 – de acordo com dados mais recentes, à volta de 700/ano para quase 1200 –, ainda que este desenvolvimento seja geral para quase todas as áreas.
Não tive acesso a dados desagregados, não sei que sub-áreas são mais significativas nem quais as causas: se pragmáticas relativas a oportunidades de emprego (não me parece), se resultantes de políticas públicas (investimento no financiamento de estudos do terceiro ciclo do Ensino Superior), se outras, mas não deixo de pensar que tais dados tenham que reflectir e/ou ser um reflexo na/da nossa sociedade.
Em Portugal, a análise de aspectos sociais, sobretudo os políticos tem, nos últimos anos, ganhado uma diversidade interessante. Não sei ao certo se tal se deve a endogeneidade: há mais análise porque há mais Doutorados em Ciências Sociais, ou há mais Doutores em Ciências Sociais porque há mais análise e logo mais interesse, ou outra causa, mas tal não deixa de ser assinalável. Este aumento pode ser um reflexo de características próprias da maturidade da nossa democracia, de acordo com alguns teóricos da transitologia, ou da evolução dos nossos dias. Mas parece-me evidente que, na última década, houve um interesse acrescido do número de analistas políticos e, consequentemente, na análise política presente na esfera pública.
A Ciência Política ganhou assim um certo espaço que não tinha, por exemplo, no final dos anos 90 do século passado, imediatamente após o surgimento de cursos nestas áreas nas universidades públicas e privadas. Já nessa altura existiam Mestres e Doutores, mas poucos. Os últimos estavam, maioritariamente, a estudar fora do país. Contavam-se e contam-se pelos dedos da mão os que aprofundaram o seu ensino formal nestes tópicos; já os números de hoje são bem mais impactantes. Nesses idos anos estudar Ciência Política era “querer ser político”, hoje a perspectiva é outra.
O comentário político público com que agora nos deparamos já não é apenas realizado por ex-políticos, juristas, economistas, jornalistas e sociólogos (sempre menos e com muita pena minha), mas também, e crescentemente, por politólogos. Parece-me este um bom avanço para o país e para a democracia que queremos continuar a construir.
Mas ainda existem problemas, muitos tão marcadamente enraizados na nossa sociedade onde apenas alguns grupos de pessoas têm acesso à esfera pública da opinião publicada. Temos que ser mais exigentes com as análises que fazemos para que as nossas opiniões, ainda que não científicas, sejam uma ponte entre o conhecimento provado empiricamente e “meros” pontos de vista. Não nos deve bastar avançar com uns nomes de autores conhecidos e com explicações causais que o não são.
Num mundo em que as nossas opiniões são ouvidas mais pela forma como as dizemos (gritando?) do que pelo que temos a dizer – e atenção, este é um artigo de opinião, eu sei –, resta-nos pensar se basta avançarmos com uma escrita mais ou menos interessante de um ajuntamento de factos para sermos considerados especialistas.
Afinal, voltamos sempre a um círculo que ainda não quebrámos no nosso país: não basta utilizar uma linguagem mais ou menos complexa, umas expressões noutra língua e dar-se a ideia de que se faz ciência; ou afirmarmos ligações entre eventos, factos e acontecimentos e prospectarmos futuros sem grandes bases. Devemos pois, todos, assumir que artigos de opinião são artigos de opinião. Com todas as vantagens e as desvantagens que isso acarreta. Um artigo científico é um “outro animal”, é bem mais aborrecido, acreditem, e é escrutinado de uma forma diferente, acreditem também.
A esfera pública é um espaço importante nas nossas democracias, é um espaço de participação e é um espaço de poder. Não raras vezes, a quantidade de informação é tanta e tão conflituante que lhe ganhamos uma certa alergia. Nessas alturas, é sempre o nome, o grau, ou uma afiliação interessante que nos dão indicação para o que escolher ler e acreditar, mas talvez seja boa ideia repensar esses critérios. Em Ciência, mesmo em Ciências Sociais, um nome, um grau ou uma afiliação institucional são sempre aspectos relativos, nunca absolutos.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.