Quem tenha acompanhado o “debate” político em torno do Orçamento do Estado nestas duas semanas que se seguiram à sua apresentação não poderá ter deixado de sentir que estava a assistir a um filme que já sabia de cor. À excepção das respectivas identidades de quem está momentaneamente no poder e de quem temporariamente se encontra na oposição, não há nada que alerte o espectador mais distraído para o facto de que se encontra em 2016 e não em qualquer um dos anos que o antecederam.

O Governo – hoje do PS, uma espécie de tubarão para as rémoras PCP e BE, ontem PSD e CDS – apresenta um documento essencialmente propagandístico e destinado a múltiplas alterações mal colida com a realidade, e a oposição (o governo de ontem) acusa o governo (ontem como hoje, a oposição acusadora do passado) de “austeritarismo” e “insensibilidade social”.

Infelizmente, não é de espantar que assim seja. Num país relativamente pobre, com uma enorme parcela da população dependente do Estado, e em que cada vez menos gente para além dos fiéis ou das clientelas tem qualquer confiança em qualquer partido político, estes sabem que só podem chegar ao poder se concederem ao maior número de gente possível uma série de benesses que só o Estado poderá oferecer.

Mas, uma vez lá, os vários partidos que se vão revezando no governo vêem-se encurralados entre essa necessidade de usarem o Estado para redistribuírem pelas clientelas que deles dependem (e das quais eles próprios dependem ainda mais) a maior quantidade de riqueza possível, e a de, para terem com que fazer essa redistribuição, manterem junto dos mercados financeiros o crédito suficiente para endividarem o Estado a preços minimamente comportáveis e, com esse propósito, cumprirem as exigências orçamentais que possibilitem a permanência no Euro que dá a Portugal as taxas de juro baixas ou relativamente baixas de que, pela graça do BCE, vai gozando.

Por terem de alimentar os “boys” e as “girls” que gravitam em torno do poder político, os partidos de governo não podem cortar de forma “excessiva” as despesas do Estado. Por terem de, no mínimo, acalmar os receios europeus quanto à “indisciplina orçamental” portuguesa, precisam de garantir que a diferença entre o que uma parte significativa do país espera do Estado e aquilo que o Estado lhes pode oferecer – ou seja, o défice – seja a menor possível.

É esse dilema que determina o comportamento dos vários partidos consoante se encontrem no governo ou fora dele. No governo tentam equilibrar-se na corda bamba entre a “austeridade” inevitável e o despesismo distributivo imperioso para a sua sobrevivência; fora dele aproveitam a oportunidade que o periclitante equilibrismo governamental lhes dá para prometerem aquilo que sabem não poder dar uma vez lá alçados.

O resultado é o agravamento da tal crescente desconfiança dos eleitores nos partidos de todas as cores, à medida que as promessas de ontem são quebradas amanhã, e os resultados práticos do impossível estatismo de abundância implícito nessas promessas se fazem sentir nas suas vidas. E, claro, à medida que essa desconfiança aumenta e cada vez menos gente vota nos partidos, estes ficam cada vez mais dependentes das clientelas que, por sua vez, dependem da continuação deste estado de coisas, num círculo vicioso do qual não se vislumbra qualquer saída.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.