Sou um fervoroso adepto das regras do mercado, em nada me chocando que alguém aufira mensalmente um salário dez, vinte ou cem vezes superior ao meu, mesmo que possa não reconhecer a esse alguém os méritos necessários para tal. O facto de o mercado entender que esse alguém, que eu possa considerar menos merecedor de um salário milionário, vale uma remuneração tão significativa é o bastante para eu a aceitar.
Vem isto a propósito da remuneração de António Domingues, recentemente chamado à liderança da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Não conheço António Domingues. Apesar de pessoas com quem privo me atestarem tratar-se de alguém de méritos inquestionáveis, não posso, em bom rigor, atravessar-me pelos seus créditos.
Nada tenho contra o facto dos Antónios Domingues deste país auferirem salários mensais superiores a trinta mil euros, estando até muito confortável com os mais de quinhentos mil euros pagos mensalmente a Jorge Jesus por treinar um clube como o Sporting ou com os mais de dois milhões pagos a Cristiano Ronaldo pelo Real Madrid.
Para o bem e para o mal, é o mercado (a oferta e a procura) que determina esses salários.
O que não consigo compreender é como uma empresa de capitais totalmente públicos, como é a CGD, oferece a um gestor um salário superior a trinta mil euros mensais. Que a Caixa queira concorrer no mercado bancário, parece-me bem. Que pretenda os melhores quadros, também. Que pretenda ser pública quando lhe convém e privada quando precisa, parece-me mal. Trata-se de “um animal” que não é carne, nem peixe, que pretende continuar a albergar-se sob o guarda-chuva do Estado, evitando que os aguaceiros a atinjam, mas que reclama um status privado no que aos salários dos seus gestores diz respeito.
O primeiro-ministro advoga que os prejuízos de ter à frente da Caixa uma equipa mais mal remunerada e de fraca qualidade são bem superiores aos benefícios que resultam de pagar aquilo que o mercado determina. Sem abordar aqui a falta de respeito que esta visão representa em relação às anteriores equipas de gestão da Caixa, parece-me que o facto dos gestores da CGD receberem, tradicionalmente, a média dos salários dos últimos três anos no sector privado já resolvia o problema.
A actual lógica defendida pelo primeiro-ministro, se alargada, progressivamente, a outras funções, poderá determinar, no futuro, a privatização das remunerações nas empresas públicas, advogando-se, sempre, que aqueles que auferem melhores remunerações são melhores e mais capazes.
Significa isto que acho que considero que António Domingues não deve ganhar 30 mil euros por mês? Sim, decididamente, não deve. Se recebia esse salário no BPI, ou mesmo um outro significativamente superior, nada tenho contra. Trata-se de um banco privado, cabendo aos seus accionistas decidir quanto querem pagar aos que dirigem os seus destinos. Agora, tendo transitado para a CGD, parece-me errado. Esta verdadeira “parceria público-privada” parece-me do mais negativo que há, não pelos valores em si, mas, sim, por quem os paga mês após mês. Se já não há quem, com mérito, queira, pela média dos salários dos três últimos anos, gerir a maior instituição bancária portuguesa, mal vai a situação no nosso país.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.