É da maior relevância saber o que pensam os dirigentes britânicos sobre o papel do Reino Unido no mundo, uma vez fora da União Europeia (UE). Embora sem data, um divórcio pressentido logo no dia do casamento. Não tem sido fácil para os ingleses conviver com a nostalgia causada pela perda do império, e pelo desvanecimento do estatuto de grande potência. A isto junta-se a deterioração do nível de vida da classe média inglesa causada, segundo a elite política inglesa, por Bruxelas, ilibando de responsabilidade os promotores nacionais das políticas liberais seguidas.
Mas será possível reconstituir o império? Global Britain tornou-se uma expressão da moda para o governo inglês e para quem gravita à sua volta, sugerindo uma ambição geopolítica para lá da Europa – uma intervenção à escala global. A resposta a esta pergunta central será conhecida, em princípio, em março deste ano, através da publicação da nova estratégia nacional (Integrated review), que definirá as prioridades e as ambições da política externa do Reino Unido e explicará como as vai implementar.
Think tanks ingleses de renome têm contribuído com ideias para materializar esse deslumbramento. Os defensores do Global Britain argumentam com os trunfos à sua disposição: membro da NATO, G20, G7, Conselho de Segurança, Commonwealth, capacidade militar formidável e armamento nuclear. Mas omitem que o Reino Unido já dispunha de todos estes recursos antes do Brexit, e não era uma potência global.
Porque o seria agora quando há evidências de perda de influência? Perdeu-a para os EUA. Enquanto membro da UE, o Reino Unido era um ativo da política externa americana no interior da UE. Não erraríamos se lhe chamássemos uma “toupeira americana” no seio das instituições europeias. A sua importância advinha-lhe da utilidade para os EUA. Como afirmou Tony Blair, o Reino Unido podia ser uma “ponte” entre a América e a Europa, influenciando Washington e Bruxelas.
Com o Brexit deixou de o poder fazer. Na Europa, os EUA passaram a falar com a França e a Alemanha. Isso já era evidente antes do Brexit, nomeadamente durante a guerra no leste da Ucrânia, tendo sido o Reino Unido excluído do chamado “Formato da Normandia”.
Londres deixou de poder influenciar a política europeia nos mais diversos domínios, por exemplo, em matéria de comércio. Londres terá de continuar a exportar para os países da UE cumprindo as regras em vigor na União, mas agora sem qualquer capacidade para as influenciar. Antes de pensar global, faria sentido que Londres pensasse nacional e encontrasse soluções para problemas existenciais, como, por exemplo, a possível independência da Escócia e a união das Irlandas.
A concretizarem-se transfigurariam significativamente o país, afetando irreversivelmente a sua credibilidade internacional. E, já agora, resolver o problema da lavagem de dinheiro de personagens corruptos espalhados pelo mundo fora, oriundos do espaço ex-soviético, do Golfo Pérsico e da África subsariana, alguns deles responsáveis por regimes que Londres critica por violarem Direitos Humanos.
A lucidez de Boris Johnson não deixa de nos surpreender. Descobriu recentemente que a UE é uma mera organização internacional. Por isso, os membros da sua representação em Londres, embaixador incluído, não devem ter os privilégios e as imunidades concedidas aos diplomatas, conforme estipulado na Convenção de Viena. O Reino Unido já viveu melhores dias.