Com efeito, de acordo com um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a reparação do dano morte situa-se, “em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00”, podendo em alguns casos chegar a € 100.000,00. Não se pode negar que são de valores relevantes. O problema surge quando são comparados com bens patrimoniais e confrontados com um valor estruturante do Direito português: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, poderíamos ser levados a concluir que a maior “riqueza” de Portugal não são as pessoas, mas os bens imóveis e móveis – em particular, quando resultam de atividades criativas do ser humano, dotadas de proteção reforçada (v.g., arquitetura, design, pintura, entre outras). Não pode ser assim.
Frequentemente afirmamos que a vida humana (assim como outros bens pessoais, como a integridade física e moral) não são suscetíveis de avaliação em dinheiro, porque não são objetos e não podem ser convertidos no “vil metal”. Esta posição de princípio visa destacar a singularidade dos bens pessoas; porém, na prática, leva à sua subvalorização em relação aos bens imóveis e móveis.
Com isto não pretendemos sustentar que a vida humana deve ser quantificada (ou traduzida) em dinheiro, de acordo com tabelas pré-existentes ou valores antecipadamente garantidos. A isso se oporia a singularidade de cada ser humano.
Todavia, esta situação deve ser ponderada pela sociedade no seu conjunto, de forma a evitar indemnizações por dano morte meramente simbólicas ou desprovidas de capacidade para compensar – ou mitigar – as consequências do desaparecimento de uma pessoa.
No referido acórdão, considerou-se “ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de € 60.000,00, a título de dano morte”, tendo em conta a idade da vítima (52 anos) e as circunstâncias do acidente de viação (responsabilidade dos condutores e ausência de culpa da vítima) – Ac. STJ 3.11.2016 (António Joaquim Piçarra) proc. n.º 6/15.T8VFR.P1.S1.
Parece-nos que esta reflexão tem plena acuidade, por exemplo, em matéria de acidentes de trabalho ou em serviço, no âmbito das relações de trabalho privadas e públicas.
Devemos, deste modo, continuar atentos à jurisprudência dos nossos tribunais e procurar ajudar na identificação de um melhor ponto de equilíbrio.