Há um modus operandi que se instalou no Ministério Público (MP) em casos com impacto mediático e que tem vindo a acentuar-se nos últimos tempos. Temos um MP para os casos ditos “normais”, que envolvem anónimos, e outro MP para os casos mais mediáticos, em especial os que envolvem outros poderes importantes da sociedade, como o político, económico, público, militar.

É gritante esta necessidade de maior afirmação do MP, que até já parece eleger alguns meios de comunicação social preferidos para pregar a sua retórica. Desconheço se existe uma ‘guideline’ formal instituída, mas existe claramente uma prática, ainda que, muitas vezes, de legalidade, no mínimo, duvidosa, atendendo aos princípios que devem reger um Estado de Direito Democrático.

O que em qualquer processo “normal” se faria com uma simples notificação, num processo mais impactante faz-se com uma detenção e, eventualmente, alguns dias de cárcere do suspeito até que fique “no ponto” para ser interrogado por um juiz de instrução.

O que num processo “normal” se faria com um pedido de envio de documentos, num processo “famoso” faz-se com uma busca domiciliária testemunhada por fotojornalistas e câmaras de televisão que, por acaso, estavam no lugar certo à hora certa.

Se num processo “normal” os direitos ao silêncio e à presunção de inocência continuam a ser princípios basilares de preservação de um processo justo, nos processos ditos mais complexos a sensação que tenho é que são, cada vez mais, substituídos pela necessidade prática de o arguido fazer prova da sua inocência.

Se num processo “normal” as acusações do MP se centram em factos e no Direito, nos processos mediáticos, as adjetivações e especulações tendem a ser a regra. Abundam expressões como “estratégia oculta”, “plano secreto”, “data indeterminada”, outras conclusões sem prova e factos irrelevantes para o processo, mas sempre apelativos para a opinião pública.

Pelo que vi na comunicação social recentemente, o MP, sem julgamento, nem contraditório, já fez saber que suspeitos agiram com um “ódio patológico e irracional”. A ser verdade o que dizem os jornais, para quem permanentemente se queixa de falta de meios, não deixa de impressionar esta conclusão imediata que implica penetrar na mente de suspeitos. Será que cabe a um jurista identificar patologias deste tipo, sem necessidade de apoio de psiquiatras, por exemplo?

Em processos que, até por envolverem outros poderes importantes do Estado, deveria existir maior cautela, discrição e objetividade, fica-se com a ideia de que há estratégias que, antes de mais, visam criar um “clima” apropriado na opinião pública que facilite o caminho da investigação e diminua os seus adversários.

Na verdade, regra geral, em processos de “poder”, o MP parece estar, acima de tudo, preocupado em demonstrar publicamente o seu super poder, dar espetáculo nos media e ganhar o fácil patrocínio da opinião pública. Quanto à realização da Justiça, isso depois logo se vê.