Houve uma greve na semana passada. É verdade, uma greve. Com direito a manifestações e palavras de ordem e bandeiras e tudo. Não abriu nenhum telejornal nem fez parangonas; não foi glosada por painéis de sábios nem fomentou debates inflamados entre os ‘talking heads’ televisivos do costume, mas houve uma greve. Nem é fácil, aliás, encontrar informação no Google sobre a aludida, que não se reporte a 2015, mas houve mesmo uma greve. Em 2016.

Vários funcionários públicos reuniram no Marquês de Pombal, em Lisboa, e realizaram uma manifestação a caminho da Assembleia da República, no último dia para apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado – o tal dia da greve, que foi convocada pela “Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública”, da sempiterna Ana Avoila, e que pretendia forçar a introdução, na agenda orçamental, dos temas do descongelamento das carreiras e das progressões, da manutenção da ADSE na esfera pública e do aumento do salário mínimo nacional.

Já por aí qualifiquei a relação entre o Governo do Partido Socialista e os dois partidos da extrema-esquerda que o suportam no Parlamento como uma coacção, uma chantagem, um sequestro, um casamento e outras coisas mais, mas não pensei, sinceramente, que veria chegar o dia em que o PCP e o Bloco apoiassem abertamente uma greve e uma manifestação contra a política do Governo que também apoiam! Que apoiassem? Que digo? Que participassem – repetindo mantras e suportando chuva estoicamente – nessa mesma greve, essa que faz uma crítica, que ecoa exigências, que demonstra insatisfação, que paralisa empresas e congestiona o trânsito. Sim, foi nesta mesma greve – ignorada totalmente, de forma inédita e chocante, pela comunicação social – que caminhou, lado a lado com os trabalhadores revoltados, Jerónimo de Sousa e uma das inefáveis Mortáguas, sempre prontas a dar a cara nos momentos mais ingratos e para as tarefas mais espinhosas. Juro que ainda tentei descobrir, lá pelo meio, o braço enérgico de João Galamba, mas não estou seguro de ter conseguido avistá-lo.

Descontando o lado cómico da situação, que é tão estranha e esquizofrénica quanto é confusa e desesperada para os partidos que participam neste carrossel – PCP e BE fazem greve contra si próprios –, a situação é grave, porque destrói a credibilidade de um Governo já de si frágil e internacionalmente olhado de soslaio. E preocupa-me que o Governo do meu país tenha que conviver com parceiros de coligação (que não estão formalmente representados no Conselho de Ministros, mas poderiam estar), cuja instabilidade e perturbação identitária os leva a colaborar em ações de protesto que parecem visar resgatar a sua própria irrelevância contestatária e o seu lugar natural no mundo.

E António Costa? Saberá ele que houve uma greve contra o seu Governo, na semana passada, em 2016?