Já vai longo este ‘reality show’ em torno da nova administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD). O banco de todos os portugueses, aquele que se pretende mais transparente dentro do natural embaciamento da banca, apesar de todos os holofotes que tem tido virados para si, atravessa momentos de alguma escuridão. A mais recente polémica estalou com a “novidade” de que o recém-nomeado presidente da CGD terá participado, a pedido do Governo, em reuniões preparatórias do aumento de capital da CGD, em Frankfurt e Bruxelas, quando ainda era vice-presidente do BPI.

O eurodeputado José Manuel Fernandes veio ao confessionário questionar porque tinha o Governo indicado como representante do banco público “alguém que à data ainda não tinha entrado em funções na CGD e, ainda mais grave, era administrador executivo de um banco privado e concorrente da mesma”. A reboque desta intervenção o eurodeputado Paulo Rangel veio pedir a demissão do secretário de Estado do Tesouro e das Finanças. Em causa estaria o acesso a informação confidencial que o vice-presidente do BPI poderia ter tido aquando dessas reuniões.

A Comissão Europeia (CE) veio, porém, confirmar: este não é o segredo, nem o pecado, de António Domingues! Domingues reuniu, de facto, com a CE quando ainda não tinha sido nomeado para a CGD e ainda pertencia aos quadros do BPI, mas terá mesmo só ido em passeio já que a informação mais sensível que lhe foi transmitida terá sido que os “moules” naquele dia não estariam frescos e que era melhor escolher outro prato.

O secretário de Estado das Finanças também admitiu ter levado Domingues a visitar a CE, como “convidado do Governo” – já que “estas autoridades não reúnem com presidentes de bancos, menos ainda com candidatos” – para avaliar não só a gastronomia europeia, mas também se as suas pré-condições podiam ser cumpridas. No mesmo sentido, as Finanças e a ministra da Presidência justificaram a presença de Domingues nestes encontros que foram “reuniões fundamentais” para o futuro da CGD.

Explicado o passeio (mas não quem o custeou – BPI/CGD/Governo?), as atenções voltaram-se novamente para o segredo de António Domingues e para a única matéria realmente confidencial: os rendimentos do banqueiro. Que motivos o levarão a “fazer caixinha” sobre este tema? Que não queira revelar os seus bens junto das “massas”, com medo que lhe ponham a mão na “massa” até podemos compreender… O povo, esse temido e vil elemento que alimenta a Caixa! Mas que se furte ao striptease das suas contas perante a ‘table dance’ no varão Constitucional, já nos causa mais estranheza. Temerá que se descubram contas a descoberto ou pretenderá “encobrir” outras que estejam por descobrir?

Seja como for, o presidente da CGD pediu um parecer jurídico para sair isento da obrigatoriedade de apresentar essa declaração de rendimentos e património (DRP) no Tribunal Constitucional (TC). Domingues recusa entregar essa informação “porque sim”, num comportamento civicamente duvidoso, mas o banqueiro é uma “caixinha de surpresas” e já disse que se o TC recusar esse parecer, não vai insistir na sua posição e abrirá a “caixa de Pandora” para revelar a informação que falta ao Palácio Ratton. Alguém que explique ao Sr. Banco que podia entregar a dita informação e pedir aos juízes do TC que dela guardassem segredo – a menos que daí saísse uma certidão, não bancária, mas para o Ministério Público.

Entretanto, deputados do BE votaram alinhados com os do PSD e do CDS e desempataram o imbróglio, viabilizando uma proposta de alteração que obriga os administradores da CGD a apresentarem, efetivamente, as DRP no TC. De qualquer forma, não vemos como podiam os argumentos do parecer de Domingues (que desconhecemos) ir contra o “especialista-constitucionalista-comentarista-que-acontece-ser-também-Presidente-da-República”, que já havia afirmado publicamente – numa demarcada separação de poderes – que os gestores da CGD “têm” a obrigação de entregar a DRP ao TC.

Enquanto a “caixa forte” não se abre para desvendar estes valores, PSD e CDS exigem a António Costa saber se houve acordo entre Governo e administradores da Caixa sobre a não apresentação no TC das DRP da nova administração da CGD. Enquanto nada se define, o velejador amador continuará de vento em popa na liderança do banco do Estado, ganhando os mesmos chorudos 423 mil euros que ganhava no BPI – número a que se chegou fazendo a mediana dos salários praticados no setor bancário em Portugal(!).

Embrulhadas que estão estas questões, e enquanto assistimos a “disfuncionalidades cognitivas temporárias” na Assembleia da República, lançamos uma interrogação “fora da caixa” a António Costa: Tinha mesmo de ser Domingues? Por esta altura, não aprendeu já Costa a importante lição de não se deixar “encaixotar” pelos outros – foi assim com o amigo Diogo Lacerda Machado, Rocha Andrade, Rui Roque, Nuno Félix – e com isso permitir embaraços e ‘fait divers’ que desviam a atenção das boas notícias?