É com alguma perplexidade que acompanho a interpretação e o significado que têm sido atribuídos aos resultados, quer do referendo na Grã-Bretanha quer das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, considerados por muitos uma praga de terríveis consequências, originada pelo voto maioritário de pessoas de estratos sócio-culturais mais baixos, impreparadas e pouco sofisticadas, mais facilmente atraídas, por isso mesmo, pelo discurso de líderes políticos anti-sistema e populistas.
Ora, o Brexit, Trump e o resultado de outras eleições ou referendos em vários países na Europa, como Grécia, Espanha, Áustria, Hungria, Itália e França, são o corolário de uma realidade económica e social comum, que está generalizada nos países desenvolvidos e que está para ficar. Estes novos políticos com um discurso de protesto, mais radical e agressivo, vão ao encontro da insatisfação e frustação de uma parte importante da população que vota, e, por isso, ganham eleições ou, pelo menos, obtêm bons resultados nas mesmas, o que lhes permite influenciar as decisões políticas dos seus países.
O que se passa hoje é que a população da classe média e baixa com mais de 45 anos viu, nos últimos anos, as suas expectativas de vida não se concretizarem. Muitos indivíduos deste grupo são ou micro ou pequenos empresários que tiveram de fechar as suas empresas, ou trabalhadores que foram despedidos das empresas para as quais trabalhavam, sendo incorporados agora no grupo dos desempregados de longa duração ou reformados com pensões baixas. Tudo isto como consequência da rápida globalização da economia e da inovação tecnológica. Para este grupo de indivíduos não é suficiente que se lhes diga que têm de adaptar-se, que têm de emigrar ou que têm de exercer uma outra actividade de que não gostam nem sentem orgulho em realizar. É preciso mais.
Há várias décadas que não se assistia, por parte da elite política e académica, a uma tão grande discrepância entre a percepção da realidade que nos rodeia e a verdadeira realidade. Parece que os políticos e os macroeconomistas, responsáveis pelas políticas fiscais e monetárias e pelo comércio e relações internacionais, não percebem a razão por que as pessoas comuns estão descontentes e infelizes com a economia global, e não querem nem têm nenhum interesse em entender os conceitos económicos que levaram às decisões políticas dos últimos anos. Pelo contrário, parece que esses decisores continuam fechados numa bolha em frente do excel, com uma atitude elitista e de superioridade intelectual, e se recusam a aceitar que o sistema actual não está a responder às expectativas da maioria da população, comprometendo, com esta atitute autista, o que se construiu nos últimos 40 anos.
Os decisores políticos têm de encontrar um equilíbrio entre globalização e inovação tecnológica e as expectativas de todos. A globalização da economia não deveria, no meu entender, ser travada, mas, certamente, poderá e terá de ser controlada e faseada, de forma a que todos sejam integrados neste processo, tendo em consideração as expectativas de todos e não só dos considerados mais capazes e educados. Se nada se fizer já, tudo o que se construiu nas últimas décadas poderá, facilmente, ser destruído com o regresso de regimes proteccionistas e fechados, o que, naturalmente, evoluirá para a separação de interesses e confrontos.
Espera-se, pois, que não sejam apenas as pessoas comuns a ter de adaptar-se a uma nova realidade, mas também que os decisores políticos entendam as causas reais do que se está a passar e, também eles, se adaptem à nova situação, implementando políticas que vão ao encontro do interesse de todos.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.