É indesmentível que a globalização trouxe benefícios únicos à sociedade mundial. O aumento do comércio e a diminuição das barreiras à circulação de pessoas e de capitais foram importantes conquistas, cimentadoras de um longo período de paz e prosperidade. No entanto, assistimos a um descontentamento generalizado, materializado nas urnas, com consequências no processo de globalização. Não restam dúvidas que o mundo chegou ao limite da sua incompetência no que diz respeito à criação e distribuição da riqueza. A disparidade de rendimentos irá forçar um processo de hibernação, ou seja, de proteccionismo.

Esta opinião não tem a ver com a eleição de Trump, mas com a necessidade que os cidadãos sentem de protecção do seu património, seja ele financeiro, social ou cultural, variáveis que agora se percepcionam ameaçadas. Com efeito, uma globalização demasiado rápida entre povos com características tão díspares tem como consequência, por um lado, o surgimento de atritos, por outro, de novas formas de controlo.

Alguns alertas dos desequilíbrios na distribuição de rendimentos foram sendo transmitidos através da divulgação dos Panama Papers, Lux Leaks e Wikileaks, outros nem por isso. A abolição de barreiras colocou em perigo todo o sistema de controlo de capitais e de riqueza, que passou a ser marcado pela volatilidade, incerteza e rapidez na transferência de fluxos financeiros. O processo de internacionalização das grandes empresas contribuiu para acelerar a colocação de dinheiro em países terceiros, bem como para despertar a possibilidade de arbitragens fiscais entre vários países, sem que houvesse controlo por parte das diversas autoridades fiscais.

Os cidadãos – de forma directa ou indirecta, apercebendo-se ou não – têm sido bombardeados com uma série de pedidos relativos a nova regulação na Europa e nos EUA, que visa utilizar o sistema financeiro como agente das finanças e fazer o que estes não conseguem: controlar e vigiar. Se ainda não foi alvo de pedidos de informação ou de actualização de dados, prepare-se, pois os Estados querem saber tudo sobre si. Enquanto se produz mais regulação, um novo mundo vai ganhando forma. Por natureza, o ser humano preza a liberdade e está constantemente a imaginar novas formas de manter-se à margem do “Big Brother”.

Ora, continua em construção um sistema financeiro paralelo de grandes proporções, capaz de branquear capitais e de financiar o terrorismo, com consequências incalculáveis para os cidadãos, governos e a forma como a sociedade está organizada. Por exemplo, já ouviu falar de Litecoin ou de Ethereum? A palavra Bitcoin soa mais familiar. E um eWallet? Ora, todos estes novos conceitos e inovações estão fora do alcance da supervisão financeira e governamental, mas acessíveis ao cidadão comum com riscos incalculáveis. Através de alguns sistemas é possível efectuar transacções e transferências de dinheiro entre desconhecidos, com pouca ou nenhuma transparência, bem como realizar mais-valias sem o pagamento de qualquer tipo de imposto.

Certo é que o mundo mudou e a ausência de atenção a este novo ciber-mundo, alimentado pelas frustrações dos cidadãos, é mais um factor de incerteza a ter em conta.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.