A vitória de Trump, o Brexit e os sucessos eleitorais de partidos radicais na Europa são fenómenos preocupantes. A retórica populista, a hostilização de determinados sectores da sociedade e a reabilitação de um nacionalismo agressivo são sinais de alarme a que urge responder.
Todavia, a atitude das elites ocidentais não parece conforme à gravidade da situação. A reacção do escol da política, da comunicação social, da opinião publicada ou da academia oscila entre o espanto e a indignação que, embora plenamente justificados, são insuficientes para conter os avanços desta vaga anti-sistema. Não basta bradar contra os extremismos, é preciso combatê-los. Mas, para o fazer, é preciso ter em atenção o que motiva o seu sucesso.
Os motivos são bem conhecidos. Cresce nos países desenvolvidos um sentimento de revolta, num primeiro momento silenciosa, que nas eleições se pronunciava pelo silêncio da abstenção, mas que entretanto julga ter encontrado nos partidos populistas a expressão do seu descontentamento. E o número de revoltados não pára de crescer. Desde logo os que perderam o emprego ou os que não conseguem iniciar um percurso profissional, consequência da transferência de postos de trabalho, sobretudo na indústria, dos países mais desenvolvidos para economias com mão-de-obra barata e que não encontram lugar na economia do conhecimento para a qual não estão preparados – nem todos têm a vocação, a motivação ou os rendimentos necessários para apostarem numa longa formação escolar que os apetreche com as competências necessárias para um modelo económico assente na tecnologia.
Paralelamente, o progresso tecnológico, cujas vantagens são inegáveis, acarreta também inconvenientes consideráveis para o emprego. As empresas tecnologicamente avançadas tendem a não carecer de grandes contingentes de mão-de-obra e, sendo as mais inovadoras, são as que mais facilmente prescindem do trabalho humano. Daqui decorre que mesmo os que apostaram na formação têm crescentes dificuldades em encontrar uma colocação, expandindo-se a ausência de expectativas às camadas médias, como alertou Stephen Hawking em artigo no The Guardian.
O modelo económico ocidental, que durante décadas gerou uma mobilidade social ascendente, parece estar a esgotar-se, dando passo à frustração e ao desapontamento, ingredientes de que se nutrem os radicalismos.
Perante o possível descalabro, as elites têm assumido uma atitude reactiva, mas não activa. Beneficiárias do processo de globalização, não têm mostrado a sensibilidade necessária para as vítimas do fenómeno. Como o príncipe de Salina, de O Leopardo, que se indignava com a impertinência da multidão, sem reflectir sobre as suas responsabilidades pela ruína do mundo antigo, nem agir para inverter o declínio, as elites ocidentais parecem amorfas e incapazes de travar o rumo para o precipício.
Para tal impõe-se o reconhecimento das causas do problema e iniciativa para o resolver, o que requer, desde logo, retomando Hawking, humildade. Humildade para reconhecer erros e encontrar novos caminhos, que recuperem a confiança dos cidadãos na democracia e no pluralismo, pois, caso contrário, haverá sempre um demagogo à espreita para capitalizar com o descontentamento popular, oferecendo soluções que, embora radicais, inviáveis e imbecis, parecem, aos olhos de quem perdeu a esperança, a única saída possível. Lembremos que a credulidade aumenta na mesma proporção da desilusão.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.