A eleição de António Guterres como secretário-geral da Organização das Nações Unidas foi uma da melhores notícias do ano. O antigo primeiro-ministro, durante anos maltratado por muitos, foi sem dúvida o político mais capacitado que já passou pelo governo de Portugal. Nunca lhe faltaram conhecimento dos dossiers e vontade de mudar. Depois de um primeiro executivo de descompressão – o único governo minoritário que completou uma legislatura em mais de 40 anos de democracia –, na sequência de dez anos de cavaquismo, Guterres esbarrou nos problemas típicos de um líder cujo partido se começa a sentir confortável com o poder. Acabou por se demitir com a justificação formal de ter perdido umas eleições autárquicas.
Apesar das evidentes capacidades pessoais, Guterres dedicara a vida activa à política e ao Partido Socialista, não tendo enveredado por uma carreira académica ou profissional no sector privado na qual se pudesse resguardar. No entanto, a partir do governo, desempenhara importantes funções na política internacional, liderando a presidência rotativa da União Europeia (primeiro semestre de 2000) e tendo sido determinante na gestão do conturbado processo de independência de Timor-Leste. O regresso à política nacional nunca parece ter sido cogitado e, em 2005, António Guterres foi eleito Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. O cargo proporcionou-lhe a possibilidade de conciliar uma carreira internacional com os objectivos sociais que sempre assumiu como prioritários. A sua dedicação à função ficou patente nas deslocações que fazia frequentemente ao terreno, sobretudo a partir da densificação da dramática guerra civil na Síria.
A abertura do formato de selecção do secretário-geral da ONU constituiu uma excelente oportunidade para Guterres fazer valer a sua competência. Sabemos que as suas são mais do que suficientes para o sucesso. Porém, não nos devemos iludir: o cargo em questão não goza dos poderes equivalentes à sua projecção e a acção da ONU continua subordinada à vontade do Conselho de Segurança e dos seus membros permanentes.
Neste campo, a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos torna tudo imprevisível. Os Estados Unidos, pese algumas hesitações recentes em matéria de política externa, continuam a ser o grande protagonista da política internacional. A sua influência na ONU faz-se sentir em três dimensões: a primeira, formal, enquanto membro permanente do Conselho de Segurança; a segunda, financeira, enquanto principal contribuinte da Organização; e a terceira, prática, enquanto único actor com capacidade de projecção de força em qualquer parte do mundo em poucas horas.
Donald Trump tem dado sinais contraditórios acerca da sua política externa. Num momento em que é arriscado prever o que quer que seja, face ao ano conturbado que estamos a viver, o sucesso de António Guterres e desta nova etapa da ONU serão fortemente condicionados pelo que a nova administração norte-americana acabar por fazer. Resta esperar.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.