Quando pensamos que nenhum horror nos poderá já surpreender, o homem, esse predador insaciável de si mesmo, consegue uma vez mais chocar-nos para além do imaginável. Já aqui referi que a guerra é o maior negócio dos tempos modernos devido ao seu tentacular modus operandi, que chega a um sem número de ilícitos rentáveis. Um deles é sem sombra de dúvida o Tráfico de Seres Humanos, cujos contornos vão muito para além do tráfico sexual ao qual de imediato o associamos.
O tráfico humano – denominado de TSH pela literatura especializada e jornalística, faz lembrar uma qualquer doença, o que não deixa de ser verdade já que se trata de um sintoma de patologia social – é o mais hediondo dos crimes, pois retira a humanidade não apenas a quem o pratica mas também a quem dele é vítima, e que dessa forma se vê espoliada da sua centelha humana e transformada numa mercadoria, numa coisa que se pode comprar, vender, dispor e descartar.
Talvez por ser demasiado hediondo pouco se fala do tráfico de crianças, que cresce exponencialmente com a guerra, e o consequente aumento do número de órfãos e abandonados que origina. Crianças que ninguém reclama, crianças sós, crianças que vagueiam sem rumo ou, ainda pior, crianças vendidas pelos próprios pais ou familiares, em tentativas desesperadas e falsamente esperançosas de que dessa forma poderão salvar-lhes a vida. Onde há desespero e sofrimento há sempre quem lucre com a dor.
O último relatório da UNODC de 2014 fala precisamente num aumento de 62% do tráfico infantil no Médio Oriente e em África. Revoltante, sim, mas infelizmente já estará ultrapassado, dado que os conflitos se agudizaram nestes dois anos. Para onde vão estas crianças? Na melhor das hipóteses para adopção ilegal e a partir daí sabe Deus… Outras serão utilizadas em trabalho escravo, visto serem “altamente qualificadas” para algumas tarefas, designadamente para fornecedores de órgãos para transplante e para vestir a pele de meninos soldado.
A inocência e a candura próprias da infância são arrancadas, irremediavelmente conspurcadas, violadas, assassinadas neste tipo de tráfico. Esta é outra das faces da guerra e da desigualdade social e económica dos nossos dias. Uma face que se tenta ocultar, silenciar por medo de ter que agir rápida e eficazmente contra interesses económicos e políticos poderosos, cuja perversidade ultrapassa qualquer ficção.
Nas últimas semanas, a utilização de crianças-bomba em ataques terroristas, meninos traficados algures e feitos explodir remotamente como mais um engenho de morte veio mostrar-nos uma vez mais que vivemos numa época em que não há limites para a desumanização. Mais do que um crime hediondo e atroz do presente, o TSH, e sobretudo o tráfico de crianças, é uma bomba atómica que destrói o humanismo e põe em causa o futuro do Homem.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.